O voto que conta

Uma newsletter quinzenal sobre sistemas de votação

Impressa e Auditável

Síria e Noruega, dois parlamentarismos contrastantes

Olá, Lucas Lago aqui. Nesse mês de setembro dois países em situações políticas, sociais e econômicas incrivelmente contrastantes irão eleger novos membros para o seus parlamentos.

No norte da Europa, a Noruega vai realizar uma eleição em um país onde o partido dos trabalhadores é a principal força do parlamento desde 1924, pouco mais de 100 anos. Na última vez que eles perderam a Primeira Guerra Mundial era chamada só de "Guerra Mundial".

Já no chamado "Oriente Médio", teremos a primeira eleição na Síria após a derrubada do governo Assad. O atual presidente, Ahmed al-Sharaa, decretou regras de transição para essa primeira eleição.


Noruega – A estabilidade ameaçada pela extrema-direita

Informações Gerais
População 5.6 milhões
Eleitores 4.0 milhões
Sistema de votação Voto proporcional com lista por partido
Sistema de governo Monarquia parlamentarista
Próxima eleição 8 de setembro

Num roteiro que já está ficando repetitivo nessa newsletter (e em toda imprensa), a Noruega se aproxima das suas eleições de 8 de setembro vendo o espectro político à direita sendo devorado pelo extremismo.

O primeiro lugar deve ficar com o partido trabalhista principal nome do que eles chamam de "Red Bloc". Lá, e também na Suécia e na Dinamarca, a divisão Trabalhistas/Conservadores tão comum na Europa foi feita em blocos de partidos: o bloco vermelho se forma em volta de partidos de esquerda e o bloco azul com os partidos de direita.

Mas isso é a tradição norueguesa, o partido trabalhista mantém historicamente 30% dos assentos do parlamento. Às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos. Nem sempre consegue formar uma coalizão de governo com maioria, mas nos últimos 100 anos sempre foi a primeira força do Stortinget.

A novidade é o que ocorre no "Blue Bloc". O partido Conservador, que atualmente possui 36 cadeiras e é o maior partido do bloco, está perdendo votos a cada nova pesquisa. A projeção atual é que receba menos de 30 cadeiras. Quem vem crescendo é o "Partido Progressista", que tinha uma política liberal, mas está se tornando o expoente da direita anti-imigração europeia dentro da Noruega.

Uma coisa muito interessante da política escandinava é a existência de partidos que tem a ideologia "Agrarianista". São partidos que foram fundados por camponeses da região - antes de movimentos tradicionais de esquerda chegarem na região.

São partidos que defendem o pequeno empresário, são céticos em relação a União Europeia, mas defendem pautas sociais típicas de esquerda. Com o declínio da relevância das pautas "agrárias", a maior parte deles teve um rebranding para se chamarem partidos de "centro".

O processo de votação é bastante simples. O voto é distrital e no papel. Muito similar com o processo da Alemanha, com algumas variações que favorecem as áreas rurais na hora dos cálculos.

Na hora de votar, os procedimentos seguem uma burocracia bastante simples: você retira sua cédula de votação, marca suas escolhas, dobra seguindo os pontilhados, leva para um mesário carimbar e deposita em uma urna. Devem acontecer eleições assim desde quando a democracia foi estabelecida – e como são os resultados locais que importam, a contagem mais lenta não é algo que afeta os humores do país.

A Noruega é uma monarquia constitucional, porém, diferente de outras monarquias, o rei não tem o poder de dissolver o parlamento. A constituição proíbe eleições de meio de mandato, mesmo em caso de governos de minoria. Além disso, o parlamento norueguês, além do primeiro ministro, tem um presidente e cinco vice-presidentes. Haja latim pra escrever cartinha quando acontecer alguma crise.


Síria – novo governo, nova eleição

Informações Gerais
População 25.2 milhões
Eleitores 7000 pessoas selecionadas
Sistema de votação Eleições indiretas
Sistema de governo Governo de transição
Próxima eleição 15 a 20 de setembro

Antes de falar da eleição em si, precisamos comentar brevemente sobre a guerra civil de 13 anos que devastou o país. A Síria era governada por Bashar al-Assad desde julho de 2000, filho do antigo ditador Hafez al-Assad.

A queda do regime dos Assads começa na Primavera Árabe, com protestos contra corrupção e autoritarismo que cresceram e viraram uma revolução. Os grupos internos de oposição se organizaram sob o nome 'Exército Livre Sírio', grupos como o Daesh (o nome certo do Estado Islâmico), o YPG (um grupo da minoria Curda, que se organiza na região autônoma que fica em Rojava no leste na Síria) também foram importantes no conflito.

Acredito que seria interessante escrever uma edição toda sobre Rojava, talvez quando tiver algum desenrolar novo relacionado ao governo Sírio. Acredito que são a maior comunidade anarquista do mundo.
Por hora, recomendo a leitura da "Declaração do Confederalismo Democrático no Curdistão"

No dia 2 de junho o presidente do governo de transição Ahmad Al-Sharaa criou o Alto Comitê para Eleição da Assembleia do Povo (ACEAP) para organizar o processo eleitoral, que vai substituir o parlamento provisório no poder atualmente.

O próximo parlamento contará com 210 membros, dos quais 70 serão apontados pelo presidente Al-Sharaa. Os outros serão eleitos em um processo indireto, com votos de "grupos locais selecionados", grupo que contém somente 7 mil pessoas.

Além disso, o processo eleitoral enfrentará dificuldades tremendas no norte e no sudeste do país, áreas que são controladas por minorias (como os curdos em Rojava). A violência nessas áreas já causa atrasos no processo.

Apesar do processo estar claramente enviesado pelo governo atual, existe aquela esperança de que a eleição seja uma oportunidade para fazer com que o país se torne mais democrático.


Curtas

  • Bolívia | Dois candidatos de direita disputarão o segundo turno: Senador Rodrigo Paz e o ex-presidente Jorge Quiroga. O MAS (Movimiento ao Socialismo) perdeu 73 cadeiras no legislativo e agora tem apenas 2. Álvaro García Linera, que foi vice do Evo Morales, falou sobre as derrotas da esquerda.
  • Rússia | Teremos eleições em 14 de setembro para vários estados (Oblasts) do país. Vale acompanhar para ver se algum candidato de oposição consegue visibilidade em eleições municipais, alguns opositores importantes de autocracias começam na esfera municipal.
  • Argentina | Logo mais em outubro a Argentina vai trocar metade do parlamento. O partido do presidente "La Libertad Avanza" estava caminhando para vencer a maior parte das cadeiras, mas o caldo pode ter engrossado por conta de uma infinidade de denúncias.
  • Brasil | Carmem Lúcia afirmou durante o julgamento do "Núcleo 1" da tentativa de golpe que "o processo eleitoral é amplamente auditável". Percebam que ela não disse que o voto é auditável, mas sim o processo eleitoral, e uma coisa pode ser verdade sem que a outra necessariamente seja.

Infelizmente não consegui uma conversa com um especialista/nativo pra essa edição. Nem Sírios nem Noruegueses estavam muito abertos ou interessados a dar entrevistas.

Estou estudando essa sessão nova com notas curtas, ia chamar de "Boca de urna" - mas ainda não sei se gosto desse nome. Sugiram nomes no contato da newsletter.

Ah! Se você conhece um especialista em algum assunto que seria uma ótima pauta pra cá? Responda a essa edição com o contato! Tenho poucas referências fora do mundinho urnas eletrônicas.

Trump e o homem no meio

Olá Lucas Lago aqui! Nessa edição vamos falar de 3 assuntos diferentes: uma votação dessa quarta-feira da CCJ no Senado, uma postagem do Trump de segunda-feira, e uma reportagem sobre fraude nas eleições brasileiras.

Ah, percebeu que a newsletter tá com cara diferente? Estamos de casa nova aqui. Migramos (o Sérgio migrou, eu nem fiz nada) do Buttondown para o Ghost. Ainda vou trabalhar pra dar um tapa no visual pra ela chegar bonita pra vocês, mas já adianto que pra escrever aqui é bem melhor.


A volta do voto impresso

Na edição sobre a reforma do código eleitoral, comentamos que naquele momento não haviam grandes alterações sobre as urnas e a forma de votarmos. Isso não é mais verdade.

Por 14 votos a 12, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou uma proposta para que a urna imprima os votos, permita que o eleitor confira o seu voto e depois a urna deposita esse voto em uma caixa lacrada. Algo muito similar às propostas que o próprio TSE analisa desde 2005, e já rejeitou adotar outras vezes.

Esse texto ainda tem que ser votado pelo plenário do Senado e pela Câmara dos Deputados. Depois disso, é provável que o STF julgue inconstitucional como já fez em outra oportunidade.

Não acho que ficar votando novamente a mesma legislação que já foi declarada inconstitucional é uma boa estratégia, mas não entendo nada de técnica legislativa.


A postagem de Trump

Na segunda-feira o presidente dos Estados Unidos escreveu na sua conta da sua rede social sobre mudanças que pretende realizar nas eleições americanas. Traduzo o começo da postagem com a mesma quantidade de parágrafos e capslocks.

Eu vou liderar um movimento para acabar com as CÉDULAS PELO CORREIO, e também, enquanto estamos nisso, as Caríssimas, Altamente 'Imprecisas' e Seriamente Controversas MÁQUINAS DE VOTAR, que custam Dez Vezes mais que sofisticados e acurados Papéis Com Marca D'água, que são mais rápidos, e não deixam DÚVIDAS, no final da noite, de quem GANHOU, e quem PERDEU, a Eleição. Nós somos agora o único País do Mundo que usa VOTAÇÃO PELO CORREIO. Todos os outros desistiram porque ENCONTRARAM FRAUDES ELEITORAIS MASSIVAS.

A postagem é basicamente um anúncio de uma empreitada contra duas tecnologias diferentes: urnas eletrônicas e voto pelo correio.

Nos EUA, a grande maioria dos locais utiliza urnas eletrônicas de segunda geração com alguma forma de auditoria. Inclusive Trump contratou ninjas para auditar seus votos no Arizona na eleição que perdeu para o Biden. Então existe uma margem muito pequena para críticas válidas nesse front.

Já na votação pelo correio, temos bastante espaço para críticas, e um risco de fraude muito mais claro, afinal essencialmente o carteiro é um 'homem no meio'. Um ataque do tipo man-in-the-middle é, na disciplina da segurança da informação, qualquer ataque que envolva redirecionar o tráfego para permitir a interceptação de um pacote de informação entre o emissor e seu receptor.

Moleton e máscara são as escolhas fashion do hacker moderno. Peguei essa imagem do pessoal da Panda Security.

Para evitar esse tipo de ataque temos diversos protocolos de segurança que permitem reconhecer uma conexão como legítima, mas mais importante que isso, nós tentamos sempre blindar as informações que trafegam. No caso do envio de cartas pelos correios, contamos com camadas de segurança como selos e lacres, assim o receptor consegue saber se houve alguma violação do conteúdo.

Mas, essencialmente, a confiança no correio é o que permite usarmos esse tipo de serviço sem receio de comprometimento da nossa informação. E, em eleições, a tendência é evitar o uso de sistemas baseados em confiança.

Os serviços postais de países de colonização inglesa contam com uma confiança enorme da população em geral. Os USPS americano inclusive faz transporte de diversas coisas diferentonas como: pintinhos e escorpiões vivos.

Antes de escrever alguma conclusão, preciso adicionar mais uma informação. O fato do voto não ser obrigatório nos Estados Unidos fazem com que manobras para desestimular a participação sejam parte da maleta de ferramentas dos partidos. Além de estimular quem te apoia a votar, estimular a oposição a ficar em casa é importante.

Além de não ser obrigatório, o voto é em uma terça-feira (pergunta pra alguém que trabalhar de domingo se é fácil pra ele participar da eleição aqui no Brasil). O voto pelo correio foi adotado para aumentar a participação dos eleitores – com adoção crescente e usado por mais de 30% da população.

Feitos os preâmbulos, vamos à conclusão.

O presidente Donald Trump está adotando um discurso que, apesar de tecnicamente correto quanto análise de riscos e respaldado por especialistas de segurança, aparenta ter como objetivo atrapalhar o processo eleitoral nas eleições de meio de mandato do próximo ano "acabando" com o método de votação usado por milhões de eleitores – praticamente pegando emprestada a cartilha usada aqui em 2024, quando o PL tentou cancelar metade dos votos do segundo turno se apoiando em um detalhe técnico.


A fraude que acontece na eleição brasileira

A jornalista Cecília do Lago (não é minha parente) explicou no veículo gringo Global Press Journal sobre uma fraude que tem acontecido nas eleições brasileiras. Sem nenhuma relação com as urnas eletrônicas ou outras coisas que você recebeu no WhatsApp de um familiar alarmado.

A fraude consiste na criação de candidatAs fantasmas, para cumprir as regras de cotas que atualmente obrigam os partidos políticos brasileiros a terem 30% de mulheres candidatas e a gastarem 30% dos recursos públicos com essas candidaturas. As candidaturas fantasmas "ajudam" os partidos a burlar essas regras e seguir priorizando os candidatos homens.

O nosso entrevistado na edição sobre a reforma do código também comenta um pouco disso, vale a leitura. Checa lá.


A edição de hoje foi 10% mais curta que o normal. Mas muita coisa em cima da hora. Na próxima edição, voltamos a rodar pelo mundo. Temos algumas opções legais de próximo destino.

A EVOlução da política boliviana

Olá, Lucas Lago aqui. Hoje vamos falar de eleições na nossa vizinha Bolívia. O país possui constituição muito inovadora, que utiliza o conceito de plurinacionalidade para legitimar os diferentes povos originários do país, mas que também serviu de pretexto para que Evo Morales permanecesse na presidência por treze anos.

Falei com duas fontes bolivianas para entender o que está rolando lá. Uma das fontes pediu que a entrevista não fosse publicada para evitar problemas no trabalho dela. A outra foi a Patrícia, do projeto Bolivia Verifica, que me ajudou demais.

Na saideira da newsletter, comento brevemente do retorno das lives de Fernando Cerimedo, estrategista de Milei, com ataques toscos à eleição brasileira.


A EVOlução* da política boliviana

É impossível falar de eleição na Bolívia sem mencionar Evo Morales. Então, antes de falar da eleição de agora, precisamos de uma linha do tempo com alguns dos principais acontecimentos que envolvem o cocaleiro que ascendeu à presidência.

Diferente de outros partidos de esquerda que possuem ideologias moderadas, a ideologia do Movimento ao Socialismo (MAS), partido criado por Morales, parte do princípio que “O pior pecado da humanidade é o capitalismo”.

O partido sempre foi um sucesso eleitoral. Além das 5 vitórias em eleições presidenciais, o MAS governa a Bolívia com maioria nas duas casas legislativas desde 2005. Atualmente conta com 55% dos deputados e quase 60% dos senadores.

Evo concorreu à presidência 5 vezes. Em 2002 foi derrotado por Gonzalo Sánchez de Lozada, que concorreu pelo Movimento Nacionalista Revolucionário (um partido que foi historicamente de esquerda e virou conservador-nacionalista), junto com o MBL (Movimento Bolívia Livre, juro).

Em 2005, Evo foi eleito para o mandato de 2006-2009. Durante esse mandato a Bolívia aprova uma nova constituição, deixando de ser a “República da Bolívia” para se tornar o “Estado Plurinacional da Bolívia”. Nessa nova constituição um limite de dois mandatos presidenciais é determinado.

Em 2009, Evo é eleito novamente. Nesse governo (2009-2014) ele aprofunda algumas das mudanças que a nova constituição exigia. No final desse mandato, Evo consegue uma decisão do Tribunal Constitucional Plurinacional que permite que ele concorra novamente.

A lógica da decisão é que a primeira vitória de Evo ocorreu na “República da Bolívia” e que portanto não poderia ser contabilizada para a proibição de reeleições no “Estado Plurinacional da Bolívia”.

Mesmo que juridicamente válida, a decisão foi amplamente condenada.

Evo concorre então pela terceira vez e vence. Nesse mandato (2014-2019) e no anterior Evo governou com uma ampla maioria no congresso, e conseguiu aprovar diversas reformas econômicas. Em 2016, Evo decide que irá concorrer novamente a presidência, mas para isso precisa alterar a constituição.

O referendo organizado para permitir que Evo concorra mais uma vez é derrotado. O partido apela para a suprema corte, que decide que impor limites de reeleição é contra os direitos humanos. Evo concorre pela pela quarta vez e vence.

Essa vitória é questionada pela oposição, a Organização dos Estados Americanos começa um processo de auditoria dos votos, mas antes do resultado Evo renuncia à presidência, foge do país e é sucedido pelo governo interino de Jeanine Áñez presidenta do Senado à época.

Apesar do fato de Evo ter concorrido ser claramente um dibre na democracia Boliviana, a pressão de militares e policiais para a remoção do presidente antes mesmo do fim do seu mandato foi considerada um golpe de estado.

Jeanine Áñes e parte dos seus apoiadores foram julgados e 
presos por esse crime em 2021.

Após 1 ano do governo interino, novas eleições foram realizadas e Luis Arce – que foi um ministro importante nos governos do Evo – é eleito. Evo Morales retorna para o país em novembro de 2020, um dia depois da posse de Arce.

A eleição Boliviana de 2025

O governo de Luis Arce chega ao fim com a pior crise de incumbente já vista. Em jun.24 sofreu uma estranha tentativa de golpe, onde um general tentou tomar o palácio com um tanque, mas depois de tomar uma bronca do presidente, desistiu.

Foto de Luis Arce falando pro general largar mão de dar um golpe e voltar pra casa. Das redes sociais do próprio presidente.

O governo de Arce foi impactado negativamente pelas consequências da COVID-19, pela queda da produção de gás natural e por um conflito fratricida com Evo Morales. Arce não irá concorrer pela reeleição.

A briga entre Arce e Evo foi tão intensa que Evo deixou o MAS e tentou concorrer com um novo partido que possui o nome EVO-PUEBLO. Mas como a Bolívia exige muitas assinaturas para legalizar um partido (diferente do Canadá), ele não conseguiu e está fora do páreo pela primeira vez em mais de 20 anos.

Ao invés dos dois, o jovem Eduardo de Castillo assumiu como cabeça de chave da esquerda. Mas está ralando pra conseguir registrar 2% de intenção de voto nas pesquisas. A eleição deverá ser decidida em um segundo turno entre dois candidatos de direita: Samuel Medina e Jorge Quiroga, que estão essencialmente empatados.

A Patricia, usando dados do Observatorio de Desinformación Electoral de Bolivia Verifica, comentou que uma das principais mudanças dessa campanha é que ela saiu das ruas e migrou para o ambiente digital, incluindo o uso de IAs generativas no processo.

A frequência de desinformação aumentou em 3 vezes nas últimas semanas, e as principais plataformas usadas são Facebook, TikTok e Whatsapp.

Os principais alvos de desinformação são os candidatos à direita, mas existem ataques coordenados também contra o candidato do MAS.

O processo de votação na eleição na Bolívia

O processo boliviano é muito similar ao antigo processo brasileiro: cédulas de papel, contagem nas próprias mesas de votação e atas assinadas por todas as testemunhas encaminhadas para o tribunal eleitoral e os partidos.

Uma diferença interessante é que caso um dos candidatos no primeiro turno tenha mais de 40% dos votos e pelo menos 10% de vantagem do segundo colocado, ele é eleito. Com essa regra não teríamos segundo turno entre Bolsonaro e Haddad em 2018, por exemplo.

Outra diferença vem do reconhecimento dos povos originários. Sete das 130 cadeiras da câmara são reservadas para deputados dos povos originários e decididas por regras próprias desses povos (regras de usos y costumbres).

Minha fonte comentou que existem algumas denúncias de fraude envolvendo a inserção de votos pelos oficiais responsáveis pela organização da eleição entre o fim da votação e o início da contagem – o que aqui no Brasil ficou conhecido como fraude do mesário.

A fraude do mesário é um tipo de fraude onde as urnas são ‘engravidadas’ (ballot stuffing em inglês. Consiste nos mesários adicionarem votos no lugar dos eleitores, tipicamente nos minutos finais da eleição, quando existe alguma garantia que o eleitor não apareceria para votar.

Era uma fraude comum aqui no Brasil e o desenvolvimento da urna eletrônica não contribui para sua mitigação. A adição da biometria auxilia um pouco.

Existem outros tipos de ballot stuffing como esses casos super discretos que ocorreram na última eleição do Putin na Rússia.

Existem poucas provas dessas fraudes e o relatório da OEA que apontou fraudes no processo Boliviano em 2019 foi demonstrado falho por pesquisadores americanos no ano seguinte.

Seguimos acompanhando e torcendo para um pouco de estabilidade política para nosso vizinho que já sofreu 48 tentativas de golpes de estado.


As lives do argentino sobre a eleição brasileira

Mas falando em relatórios que foram provados falsos, Fernando Cerimedo, estrategista de Javier Milei e um ávido conspirador. Voltou a compartilhar suas duas lives sobre o processo eleitoral brasileiro em 2022.

Elas estão linkadas em seu perfil na Truth Social, em posts que levam para vídeos no Rumble. Ou seja, pouquíssimas pessoas vão ver isso.

Caso você queira saber quais os erros que ele cometeu – tem um relatório da USP que sou coautor explicando as groselhas.


Recadinhos finais e notas de rodapé

* Não aceitarei críticas às minhas piadas de segunda categoria.

Como sempre, compartilhem a newsletter com seus amigos. Em breve vamos migrar para uma casa nova no Ghost e vamos dar uma repaginada nela.

O novo código eleitoral

Olá, Lucas Lago aqui. Voltamos nessa edição com uma pauta de tecnologia. Ainda mais interessante, vamos falar de código! Do código eleitoral e das propostas de reforma que estão sob análise do Senado.

Aproveito para deixar aqui o link de um ensaio do Lawrence Lessig sobre Código, Leis e as liberdades do ciberespaço. Não tem relação com a edição da newsletter, mas é uma baita leitura.

Como não entendo nada de legislação, pedi ajuda para a Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP. E o Dr. Luciano Caparroz Santos deu uma aula para os nossos leitores.

Trago lá no finzinho resultados da eleição no Japão. Extrema-direita e nacionalismo estão em alta por lá.


A cronologia da reforma do código eleitoral

Nossas eleições possuem atualmente como base legal um código que foi elaborado no ano de 1965. Isso mesmo, 1965. Como diria o Renan, do Choque de Cultura: “Brasil é bagunça”.

Mas apesar de desenvolvido no início da ditadura, esse código organizou as atribuições do Tribunal Superior Eleitoral, instituiu o voto obrigatório e definiu regras para campanhas eleitorais.

O código sofreu diversas alterações nesses 60 anos, e outras leis, como a Lei dos Partidos, foram criadas. Mas a alteração discutida agora promete ser mais abrangente e consolidar melhor as regras das eleições no Brasil.

Em 3.ago.21 a deputada Soraya Santos (PL/RJ) apresentou o PLP 112/2021, que tem uma ementa sucinta: “Institui o Código Eleitoral”. Em 16.set.21, 44 dias depois, o projeto foi aprovado e enviado ao Senado Federal.

Achou esquisito o tempo recorde de aprovação do projeto na Câmara? Duas coisas explicam essa velocidade: estávamos em plena pandemia e o presidente da Câmara era Arthur Lira.

A pandemia forçou a Câmara a se reorganizar, por conta da impossibilidade de reuniões presenciais. Arthur Lira aproveitou para reduzir o espaço de debates. Houveram decisões de pedidos de urgência aprovados em menos de 30 segundos.

O PLP 112/2021 foi pouquíssimo debatido na Câmara e remetido para o Senado Federal, com a relatoria do senador Marcelo Castro. Nesses quase 4 anos de tramitação o projeto já recebeu 373 pedidos de emendas de outros senadores, porém houve pouco debate com instituições fora do legislativo.

No fim das contas, o que muda?

O principal da minha conversa com o Dr. Luciano foram explicações sobre as principais alterações que a reforma propõe.

Do lado computacional, poucas mudanças no projeto de lei. Não tem nada sobre Inteligência Artificial, por exemplo. Muda um pouco sobre propaganda na internet e apenas define melhor quais instituições podem participar das etapas de auditoria* das urnas eletrônicas. Nesses temas, o Tribunal Superior Eleitoral continua tendo bastante autonomia para definir as regras das eleições.

Uma mudança que tem sofrido muita resistência, segundo nosso entrevistado, é a alteração da cota para mulheres. O projeto original, previa que 30% das candidaturas deveriam ser de mulheres. O texto foi substituído adaptando uma ideia proposta pela senadora Eliziane Gama, para garantir que 20% das cadeiras sejam ocupadas por mulheres.

Apesar de parecer que essa alteração vai garantir espaço para mulheres no legislativo especialmente em cidades pequenas, ele também vai permitir que candidaturas de mulheres sejam “mais baratas”, já que elas terão algumas vagas reservadas.

O código prevê 30% de gastos garantidos para mulheres. Mas, isso foi facilmente manobrado pelos partidos nos últimos anos. Pode ser que ao aumentar o espaço garantido das mulheres no legislativo, elas percam ainda mais espaço no debate eleitoral.

Atualmente o Brasil já conta com 18% de mulheres na câmara de deputados e 19% no senado. Essas mudanças terão baixo impacto a nível nacional.
Evolução da bancada feminina na câmara. Segue melhorando, mas num ritmo claramente insuficiente.

A outra mudança, que particularmente é minha favorita, é a alteração nas regras de “Desincompatibilização”.

Juízes, membros do Ministério Público, policiais federais, rodoviários federais, civis e militares, guardas municipais e membros das Forças Armadas deverão se afastar de seus cargos quatro anos antes das eleições se quiserem concorrer.

Direto da Agência Senado

Isso é essencial porque em instituições com hierarquia muito rígida, pessoas no topo possuem influência desproporcional nas pessoas abaixo simplesmente por causa da estrutura. Um general, por exemplo, que possua milhares de pessoas como seus subordinados teria uma base de eleitores que o respeitam por conta dessa hierarquia.

O projeto de lei é gigantesco (quase 900 artigos!) e tem pequenas mudanças em diversas áreas. Mas acredito que as duas acima sejam as principais. Vamos continuar acompanhando a tramitação caso surjam coisas interessantes sobre tecnologias digitais abriremos uma nova edição pra focar nisso.


Resultados no Japão

O governo japonês sai enfraquecido da eleição para a Câmara alta (equivalente ao Senado) desse domingo (20.jul). O principal partido da coalizão governista, o Partido Liberal Democrático (PLD), governa o país essencialmente desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Mas nessa eleição o partido de extrema-direita Sanseito conseguiu retirar 14 cadeiras da coalizão conservadora. Esse partido é de 2020 e foi fundado pelo streamer Kazuya Kyoumoto.

A política no Japão tem seus altos e baixos, mas o partido tradicional perder espaço pro partido do Monark deles é completamente surpreendente.

O primeiro-ministro, Shigeru Ishiba, deve seguir no governo com minoria nas duas casas. E, de quebra, segue enfrentando uma alta de mais de 70% no preço do arroz.


Na próxima edição vamos falar da eleição boliviana. Vou tentar entender o racha interno no partido governista e quais as chances dos candidatos de direita.

Lembrem-se de convidar os amigos cracudos de política pra assinar a newsletter. Ah, convidem os que não se interessam também.

* Nem todas as etapas seriam classificadas como auditoria em uma definição mais rígida. Eventualmente uma edição sobre esse conceito será necessária.

E o PT, hein? E o Edinho?

Olá, Lucas Lago aqui. Mais uma edição na qual o assunto principal são os partidos brasileiros. Dessa vez foco é no PT e na eleição do novo presidente nacional do partido.

Por conflitos de agenda, não consegui uma entrevista, mas felizmente pesquisadores publicam suas ideias, então a gente vai conseguir entrar em algumas coisas comentadas pelo entrevistado da edição passada.

Além disso, duas notas rápidas: uma sobre América Latina e outra sobre os EUA.


Quando o voto direto é menos democrático

Normalmente atribuímos o conceito “one person, one vote” como o ápice da representação democrática. Chega a parecer absurda a ideia de que uma decisão onde cada voto teve o mesmo peso, foi feita de forma livre e todos os votos foram computados, possa não ser democrática.

Mas em 1835, o visconde francês Alexis de Tocqueville decidiu estudar a democracia nos Estados Unidos e, apesar de muito animado com os resultados da democracia americana, vislumbrou a possibilidade dela levar ao autoritarismo através da “Tirania da Maioria”.

Quer ver um exemplo cristalino da ideia de como a Tirania da Maioria pode levar a decisões menos democráticas?

Os ex-presidente Jair Bolsonaro sugeriu certa vez que “as minorias têm que se adequar” e que as “as leis existem para proteger as maiorias”, em um contexto onde sugeria a redução dos direitos de homossexuais.

Mesmo que a maioria da população apoie essa ideia, ela é autoritária porque atravessa os direitos de um grupo minoritário.

E o PT, hein?

Nesse último domingo (06.jul) aconteceu o Processo de Eleição Direta (PED) do Partido dos Trabalhadores. Edinho Silva foi eleito com mais de 70% dos votos. Os candidatos de outras 3 tendências foram Rui Falcão (11%), Romênio Pereira (11%) e Valter Pomar (4%).

Dentro do PT, podemos considerar que tendências são equivalentes ao que seriam partidos na eleições gerais. E sim, o partido tem dezenas de tendências internas.

Edinho é da aliança de tendências “Construindo um Novo Brasil” nascida após o escândalo do mensalão, a mesma aliança da qual o presidente Lula faz parte.

Presidente Lula vota em uma urna (que não é eletrônica) nas eleições do último domingo. A estrela torta ali, socorro!

O PED funciona da mesma forma que uma eleição, os filiados votam no representante municipal, estadual e presidente nacional do partido. Essa forma de escolha de dirigentes foi estabelecida em 2001 – junto com outras mudanças que enfraqueceram a base do partido, aumentando o poder da direção nacional.

Apesar do PED ser a expressão máxima da democracia do partido dos trabalhadores, ela não tem a mesma energia vibrante de um Encontro Nacional, que até 2001 era onde as lideranças eram escolhidas. As mudanças trouxeram um verniz de aumento da democracia, mas sem aumento real de poder da base de militantes.

O PT segue caminhando para onde José Dirceu apontou ao dizer que o PT deveria ser um “partido de cidadãos, e não de militantes”. Indicando um afastamento da ideia de ser um partido de tendências e próximo a sociedade civil, para se tornar um partido mais “profissional-eleitoral” focado em ganhar eleições, em vez de desenvolver pensamento de vanguarda.


A eleição pra prefeitura de Nova Iorque

Em 4 de novembro, teremos uma eleição que normalmente é muito protocolar nos Estados Unidos: Nova-iorquinos escolherão o novo prefeito da cidade.

A última vez que um candidato do Partido Republicano venceu por lá foi em 2005, com Michael Bloomberg. Ele foi reeleito em 2009 como independente e, desde então, a cidade só teve prefeituras do Partido Democrata.

A novidade desse ano é o candidato dos democratas e seu impacto na Janela de Overton e nas inúmeras análises sobre quais tecnologias ele usou para sua vitória surpreendente nas primárias: foi o TikTok? Foram as participações em PodcastsÓbvio que não.

De qualquer forma, o debate político nos EUA está concentrado na figura de Zohran Mamdani, jovem, abertamente socialista, descendente de imigrantes.


Duas eleições esquentando na nossa vizinhança

Falando em eleições no segundo semestre, temos duas que já estão esquentando. E a situação das coligações que estão no governo são, no mínimo, interessantes.

No Chile, a comunista Jeanette Jara venceu as primárias nacionais da coalizão de centro-esquerda com 60% dos votos. A direita não realizou processo de primárias e tem, por enquanto, Evelyn Matthei como principal nome. Mas ela ainda não foi oficializada.

Jeanette contará com o apoio do presidente Gabriel Boric, que não pode concorrer, já que reeleições não são permitidas no país andino. O problema é que o apoio ao governo caiu vertiginosamente desde a eleição e atualmente está em 21%.

Na Bolívia, o partido governista “Movimiento al Socialismo - MAS” poderia colocar como candidato a eleição o presidente Luis Arce. Essa candidatura sofreu oposição interna de Evo Morales, nome histórico do partido e presidente do país por mais de uma década, que tentava viabilizar sua própria candidatura (proibida pela constituição boliviana, que só permite uma reeleição. Evo foi reeleito duas vezes).

A disputa Evo-Arce levou a saída de Evo do partido, seguida da sua candidatura por um partido menor (Frente Para la Victoria - FPV) que foi prontamente cancelada pela autoridade eleitoral, levando manifestantes pró-Evo às ruas. Arce desistiu da candidatura e o MAS concorrerá com o jovem Eduardo del Castillo, que foi Ministro de Governo (cargo responsável por regular as políticas públicas do país) no governo Arce.

A direita boliviana tem boas chances com os candidatos Doria Medina (atualmente liderando as pesquisas com 19% das intenções de votos) ou com o ex-presidente Jorge Quiroga (atualmente em segundo, com 16%). Eduardo, mesmo com apoio do governo, registra pouco mais de 1% das intenções de votos (mas deve crescer com o início da campanha).


Ainda não tenho tema para a newsletter da semana que vem. Mas sei que será sobre algum detalhe tecnológico dos processos eleitorais. Se tiver alguma sugestão, responde esse e-mail!

A organização interna dos partidos políticos

Olá, Lucas Lago aqui. Esta semana seria esperada uma edição falando de alguma eleição interessante mundo afora. Mas como fizemos isso em 3 edições seguidas (Austrália, Romênia e México), me dei o direito de escrever duas seguidas sobre tecnologias. Nesta quinta vamos falar sobre Partidos Políticos.

Antes que as pedras voem, lembrem da definição de tecnologia da primeira edição: “qualquer processo ou técnica utilizada para atingir um objetivo”. Partidos Políticos definitivamente entram nessa definição.

Para não decepcionar vocês totalmente, trago uma entrevista com o Doutor Luís Locatelli, que pesquisa partidos políticos desde a sua graduação na UFScar até seu doutorado na FGV. Vale a pena ver na íntegra. O Luís manja muito.


O que é um partido político? São essenciais para democracias?

O Brasil tem 29 partidos políticos registrados no TSE. Vão desde os maiores e antagonistas PT e PL, até siglas que eu aprendi enquanto pesquisava para essa edição, como o AGIR (se ajudar: é o antigo Partido Trabalhista Cristão) e o MOBILIZA (a sigla antiga é PMN de Partido da Mobilização Nacional).

Colagem retirada do site da câmara com toda a diversidade de siglas, logos e cores dos partidos brasileiros.

Mais do que isso, se vocês olharem nas listas da Wikipedia, vão ver que partidos políticos são uma das tecnologias mais disseminadas nos processos eleitorais. As nações onde partidos não têm participação relevante na política se dividem em 3 categorias: governos autoritários (Arábia Saudita, Belarus etc), países muito pequenos (Nauru, Ilhas Marshall etc) e o Vaticano.

Os outros países têm pelo menos 1 partido atuando na política. Inclusive os cientistas políticos classificam os países nos seguintes sistemas partidários:

  1. Sistema unipartidário

  1. Sistema de partido dominante

  1. Sistema
    bipartidário

  1. Sistema de dois partidos e meio*

  1. Sistema multipartidário

  1. Sistema não partidário

Chuck Lorre ganharia com facilidade nesse sistema

Eu fiz pro Luís a pergunta inicial “o que é um partido?”, e ele explicou que uma definição mínima é “uma organização que disputa eleições”. Acho que podemos até expandir para “uma organização que disputa o poder político”, pois aí conseguimos adicionar partidos que se organizam em lugares não democráticos e sem eleições.

A segunda curiosidade que eu tinha era entender se partido político era igual ketchup na pizza, quanto mais melhor. O Luís explicou que os autores divergem nesse ponto e que depende inclusive da definição de democracia deles.

Mas duas vertentes se destacam: democracias de consenso e democracias majoritárias. No primeiro caso, os autores valorizam o fato que um maior número de partidos possibilita um debate mais amplo e mais rico, permitindo que as soluções sejam melhores. Essa multiplicidade, porém, só traz benefícios para a democracia se cada um deles representa de fato um grupo social e interesses legítimos.

Já no caso dos autores que defendem que democracias majoritárias são mais democráticas, eles apontam o fato que a multiplicidade de partidos dilui o poder e a sua capacidade de governar. O Luís comenta inclusive que a tendência para o bipartidarismo nesse caso se espelha no conflito entre capital e trabalho (conservadores e trabalhistas).

No caso do nosso Brasil, Luís acredita que a multiplicidade de partidos foi gerada pela abertura pós ditadura, e que o processo de redução do número de partidos foi gerado pelas mudanças legislativas no processo, incluindo a cláusula de desempenho que penaliza partidos que não conseguem eleger muitos representantes.

O preocupante é que o Brasil está se concentrando em duas forças num momento onde uma delas é muito pouco democrática e a outra é menos democrática do que já foi.

Diretórios, comissões provisórias e democracia nos partidos

Já concluímos que os partidos são essenciais para a democracia e eu acredito que a organização interna de cada partido vai refletir na contribuição que ele trará para o espaço democrático brasileiro.

O Luís me ensinou sobre dois elementos que desconhecia até então: os diretórios e as comissões provisórias. O primeiro é a organização local (pode ser municipal ou estadual) do partido com uma administração eleita pelos membros do partido daquele local. Já na comissão provisória a administração é nomeada por um membro de uma instância superior do partido.

Os dois partidos que polarizaram a eleição para presidência em 2022 estão também em lados opostos no eixo de quão democrática é sua organização interna. De um lado o PT é um dos partidos com mais diretórios, por exemplo tem 424 diretórios no Estado de São Paulo entre suas quase 500 representações, do outro o PL é um partido que se organiza majoritariamente por órgãos provisórios e não tem nenhum diretório entre suas 250 representações em São Paulo.

Ou seja, no PL o Valdemar da Costa Neto tem total poder para alterar a organização de comissões que estejam de alguma forma antagonizando os seus esforços. Enquanto no PT, a mesa do diretório é eleita e cumpre um mandato e está de certa forma protegida de pressões das lideranças nacionais.

Mas, apesar de ser uma organização mais democrática que o PL, existe uma regressão democrática no PT. E o seu Processo Eleitoral Direto (PED) é parte dessa regressão.

Vamos entrar nos meandros do PED e democracia interna do PT na edição de 10.jul.

BREAKING NEWS! Votos desviados nos EUA

Notícia fresquinha desta quarta, 25.jun. Um juiz da suprema corte de Nova Iorque aceitou um pedido do grupo SMART para abrir uma recontagem de votos em um distrito da cidade.

A recontagem vai acontecer porque existem discrepâncias relevantes nos resultados. No distrito onde a candidata para o senado democrata recebeu 331 votos, a candidata Kamala Harris recebeu zero votos. Além disso, o grupo coletou depoimentos assinados de 9 eleitores do distrito que confirmam ter votado na candidata Harris.

A próxima data importante nesse caso é 22.set, quando as partes serão ouvidas na corte. Até lá tem bastante tempo pra fomentar teorias da conspiração.

Não existem expectativas de uma reversão do resultado eleitoral, mas a investigação pode impactar a confiança do eleitor no sistema americano.


Recados finais

Queria agradecer todo mundo que lê e compartilha a newsletter. Quem quiser entrar em contato comigo pra sugerir pautas, adicionar informações ou bater papo pode responder esse e-mail ou seguir lá no BlueSky.

Na próxima edição vamos falar da eleição interna ao Partido dos Trabalhadores, com foco principalmente nessa mudança pontuada pelo Luís da democracia direta.

Giro eleitoral e algoritmo GUARANA

Olá, Lucas Lago aqui. Começo com uma rodada de resultados eleitorais das últimas semanas. Teve bastante eleição além das que consegui mencionar aqui na newsletter.

Além disso, finalmente vou falar de alguma tecnologia, sem um entrevistado, mas com mais links e fontes. Vamos falar um pouco da arquitetura de chaves da urna eletrônica e do algoritmo GUARANA, desenvolvido pela ABIN.

Vamos usar como base um artigo muito interessante dos anais do Workshop de Tecnologias Eleitorais da SBSEG, de 2019, escrito por servidores do TSE.


Atualização de resultados

Vamos a um pequeno apanhado de resultados eleitorais das últimas semanas, incluindo eleições mencionadas aqui e eleições que não foram citadas nas últimas edições*.

Em Portugal, em 18 de maio, tivemos a eleição antecipada. O candidato do partido que havia sido derrubado do governo venceu. Houve um crescimento significante do “Chega”, da direita eurocética, e uma queda do Partido Socialista.

No mesmo domingo tivemos o segundo turno da Romênia. Em uma edição nossa de maio comentamos da ampla vantagem do candidato Simion, de extrema-direita, para o segundo turno. Mas ele perdeu. A presidência ficou com o Nicușor Dan, de direita, que teve mais de 53% dos votos.

Em 25 de maio tivemos duas eleições parlamentares em nossa região: Suriname e Venezuela. No Suriname, onde todos os partidos relevantes são de (centro-)esquerda, venceu o Partido Democrático Nacional, sem grandes emoções e reviravoltas.

Já na Venezuela, tivemos bastante coisa rolando. Primeiro que alguns partidos de oposição (à direita e à esquerda) boicotaram a eleição e pediram para os eleitores faltarem às urnas. O órgão eleitoral afirma que ainda assim 42% dos eleitores participaram do pleito, mas a oposição contesta essa informação.

Além disso, nessa eleição foram disputadas cadeiras no parlamento representando Esequiboregião disputada entre Venezuela e a Guiana. O governo guianense alertou que os cidadãos que votassem na eleição poderiam ser julgados por traição. A situação lá é bastante complicada e o Brasil mandou tropas ano passado até a fronteira para acompanhar a crise.

Ainda falando de América Latina, a eleição para o judiciário do México (tema da nossa mais recente edição) teve uma participação de 13% da população – o que deve minar a legitimidade de todos os julgamentos no país por alguns anos. Vamos ver como o governo mexicano vai lidar com todos os impactos desse fiasco.

E em 3 de junho, em plena terça-feira, a Coréia do Sul realizou sua eleição antecipada, já que o presidente Yoon Suk Yeol anterior falhou na tentativa de dar um golpe de estado. O deputado Lee Jae-myung, que sofreu uma tentativa de assassinato no início de 2024, foi eleito presidente. O vídeo dele no dia da tentativa de golpe de estado é bem legal.

Esquisito como a política brasileira e coreana são escritas pelo mesmo roteirista. Acompanha comigo:

1. Uma presidenta sofreu impeachment depois de um escândalo envolvendo grandes empresas nacionais.

2. Yoon Suk Yeol era conhecido pelo combate a corrupção e pela condenação ex-presidentes antes de se lançar à política.

3. Lee Jae-myung sofreu tentativa de homicídio com uma faca em um evento público, depois foi eleito presidente.

Falta criatividade em um dos dois países.

A grande polarização na Coréia do Sul é em relação ao tratamento dado ao vizinho ao norte. O antigo presidente tinha políticas mais rígidas e agressivas, o novo presidente parece ser mais conciliador.


Algoritmos de Estado, criptografia nas urnas e o GUARANA

Essa vai ser a primeira edição que vou comentar sobre a urna eletrônica de fato. Não que estivesse evitando, mas outras pautas pareceram mais interessantes.

Inclusive, ao conversar com um pesquisador da história da Venezuela, ele sugeriu que o foco no desenvolvimento de urnas seguras por Hugo Chaves foi para ofuscar abusos em outras áreas do processo eleitoral. Independente das acusações de abuso serem reais, o que me chamou a atenção foi a ideia de usar o foco nas urnas para suprimir discussões de outras fraudes.

O artigo “Protegendo o sistema operacional e chaves criptográficas numa urna eletrônica do tipo T-DRE”, escrito por parte da equipe de desenvolvimento da urna em 2019, apresenta a arquitetura de segurança do modelo de urna que seria usado a partir de 2020. Essa arquitetura ainda é a usada.

Citando aqui um trecho:

As funções de cifração são: AES, GUARANA1 e uma implementação do algoritmo assimétrico ECIES (baseado em curvas elípticas - EC), similar aos padrões mostrados em [Martínez et al. 2010].

Usa-se EC com curvas P521 [NIST 2009, Certicom 2000], AES, HMAC com SHA-512, à exceção da função de derivação de chaves, que usa a CKDF.

Ignorando a sopa de letrinhas por um instante, foco naquele 1 sobrescrito que indica que temos uma nota de rodapé. Ela diz o seguinte:

1 Algoritmo de Estado desenvolvido pelo CEPESC/Abin.

Um dos conceitos básicos do desenvolvimento seguro de software é evitar ao máximo a dependência de “algoritmos secretos” no desenvolvimento de sistemas seguros. Chamamos essa vulnerabilidade de segurança por obscuridade.

Seria leviano apontar que o mero fato da função GUARANA ser um algoritmo secreto do Estado brasileiro possa ser uma vulnerabilidade, mas todo mundo que trabalha com segurança desde a Grande Exibição de 1851 fica com a pulga atrás da orelha com essa opacidade.

Arte retratando a grande exibição de 1851. Retirada do site www.bie-paris.org

Foi nesse evento que o chaveiro Alfred Charles Hobbs apresentou para o mundo as falhas de diversos cadeados da época, e quando questionado sobre divulgar as vulnerabilidades disse:

“Pessoas desonestas são muito profissionais e já sabem muito mais do que poderíamos ensiná-los.”

A ideia de Hobbs, atualizada depois no ‘Princípio de Kerckhoffs’ e que ainda rege as boas práticas de segurança é que um sistema criptográfico não pode requerer sigilo, e com isso grande parte dos sistemas de segurança são publicados e revisados por especialistas (incluindo código-fonte de referência).

Olhando novamente pra sopa de letrinhas lá do artigo, sabemos exatamente como funcionam: o AES, o HMAC, várias versões do SHA. Mas não sabemos o funcionamento detalhado do GUARANA.

Muito se fala dos segredos da receita da Coca-Cola, mas o maior risco é não sabermos detalhes sobre o GUARANA.


Recados finais

* Essa newsletter nunca teve como objetivo cobrir todas as eleições, nem escolher as mais importantes/relevantes. A escolha da eleição é feita mais pelo quanto eu acho que a história que eu vou contar é interessante do que pela relevância daquele pleito de fato.

E, como sempre, compartilhem com os amigos! Façam mais gente se inscrever. Em julho teremos poucas eleições, mas o segundo semestre vem quente.

A primeira eleição para juízes do México

Olá, Lucas Lago aqui. Nessa semana temos eleição para cargos do judiciário no México, uma novidade no país Norte Americano. Falamos sobre o assunto com Alejandro Martín del Campo, professor do Tecnológico de Monterrey, na intersecção entre comunicação e tecnologia, no estado mexicano de Nuevo León, no nordeste do país.

Me senti na obrigação de comentar a eleição pra prefeitura de uma pequena cidade nas Filipinas. Deixo essa isca pra mais gente ler até o final.

Aproveito o espaço para divulgar a chamada de trabalhos pro Workshop de Tecnologia Eleitoral, do Simpósio Brasileiro de Cibersegurança. Quer saber o que está na vanguarda da tecnologia eleitoral? Só ir pra Foz do Iguaçu em setembro.


Eleição, loteria e concurso – como escolher um funcionário público?

Esse domingo o México vai às urnas para trocar metade dos juízes do país, incluindo membros da suprema corte. O processo não é muito complicado, mas, segundo Martín, não houve tempo hábil pra revisar os candidatos.

Até hoje, os juízes no México eram selecionados por um processo similar ao brasileiro: concurso público com várias etapas e diferentes tipos de provas. Um processo que tem por objetivo avaliar a compreensão dos juízes da legislação mexicana.

Eu e Martín já fomos professores. E todo mundo que já foi professor sabe que provas escritas são um instrumento super limitado de avaliação de conhecimento.

Não estou mais dando aula, então não sei se hoje em dia estão usando muito provas escritas nas avaliações de estudantes aqui no Brasil. Mas como Gilmar Mendes, acredito que o sistema de escolha de servidores públicos não funciona muito no Brasil.

Devido a enorme quantidade de candidatos que pretenderam participar da eleição desse fim de semana (incluindo advogados que trabalham para cartéis) foi necessário um processo para remover alguns deles.

Então eles organizaram uma loteria com os candidatos. Isso mesmo. Loteria com bolinhas numeradas sendo sorteadas e cantadas por uma pessoa. Assistindo ao vídeo, fui transportado para quermesses de igrejinhas do interior com padres fazendo bingo para sortear prendas.

Apesar de ser pouco usado hoje em dia (com a importante exceção do processo de formação de júri), esse tipo de sorteio é parte integral da história da democracia.

Sorteio por loteria era o principal método de escolha de políticos na democracia ateniense. Sorteio tem a grande vantagem de garantir representatividade – e evita, ao mesmo tempo, o elitismo do concurso público e o populismo das eleições.

A ideia de combinar uma loteria e eleição para os candidatos, acredito ser inédita (se alguém souber onde já usaram, me avisem). Eu, particularmente, acredito que combinar os processos de loteria e concurso público seria melhor.

O grande desafio agora, é saber se esses juízes eleitos terão legitimidade perante a população. Martín acredita que somente cerca de 10% dos mexicanos aptos irão votar. Mesmo a maioria aprovando a alteração.

Uma última nota sobre o assunto. O projeto do antigo presidente Andrés Manuel López Obrador e continuado por sua sucessora Claudia Sheinbaum, é desenvolvido como uma resposta ao poder dos cartéis no país. Achei uma solução que parece mais uma atitude populista de extrema-direita que algo que presidentes de esquerda estariam fazendo.

Duterte eleito diretamente de sua cela europeia

A cidade de Davao, nas Filipinas, elegeu nesse mês Rodrigo Duterte (ex-presidente do país) para a prefeitura. Não seria digno de nota não fosse o fato de que Duterte está atualmente com endereço fixo em Haia, onde fica a cela de sua prisão.

Ele ainda aguarda o seu julgamento, por conta da sua falida política de guerra às drogas, que levou à morte mais de 30 mil filipinos, com acusações de policiais sendo pagos até 50 mil reais por pessoa morta. Lembro dessa história de quando o governo brasileiro tentou interceder por uma brasileira condenada à pena de morte.


Notinhas finais

Essa edição ficou um pouco mais enxuta que o normal. Essa semana estou participando do FIB e isso acabou afetando a produção do texto.

Na próxima edição acredito que finalmente falaremos de uma tecnologia.

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