O voto que conta

Uma newsletter quinzenal sobre sistemas de votação e processos eleitorais no mundo

Impressa e Auditável

#22 | Pesquisas, Fascismos e Brasil

Olá, Lucas Lago aqui. Abrindo a edição com uma pequena errata da edição #21: eu disse que Guilherme Derrite era Deputado Estadual, quando na realidade é Deputado Federal.

Nessa edição contamos com uma entrevista do meu amigo Lucas Gelape, politólogo e professor no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais - ele detalhou pra mim um relatório feito por um Think Tank britânico sobre pesquisas de opinião.

Também conversamos sobre uma pesquisa que fala sobre o que acontece quando partidos de centro abraçam políticas extremas.

Vou iniciar nesta edição uma seção específica para falar da eleição aqui no Brasil. E na seção TRILILI notas sobre Honduras, Guiné Bissau, ONU e JBS.


Quem pesquisa os pesquisadores

Toda semana uma nova pesquisa de opinião domina o noticiário: "qual a maior preocupação do brasileiro", "qual a opinião do brasileiro sobre a operação nas favelas do moinho", "o que o brasileiro está planejando pro Natal". Mas a gente para pouco pra pensar em como elas são feitas e como o formato delas pode impactar os resultados.

A ideia aqui não é entrar numa nóia de que as pesquisas são fabricadas, forjadas, manipuladas, etc. Máximo respeito pra pessoa que entra numa ideia dessas de tentar entender uma população inteira perguntando pra uma dúzia de pessoas na rua.

Vi recentemente o trabalho do Think Tank britânico Labour Together (filiado ao partido trabalhista de lá) onde eles discutem se o formato das pesquisas de opinião realizadas na Inglaterra podem ser melhorados.

Como esse é um assunto que eu entendo muito pouco, mas que o meu amigo Lucas Gelape entende muito, pedi pra ele me explicar e gravei a conversa pra vocês leitores e leitoras.

No vídeo, o Gelape explica os detalhes, mas os principais achados que eles apontam são resumidamente os seguintes:

  • As pesquisas são muito guiadas: a lista de respostas que os pesquisadores entregam influenciam os resultados.
  • As pesquisas são sensíveis demais a mudanças nas palavras: mudanças nas palavras tem um impacto desproporcional nos resultados, coisas como alterar a pergunta de "qual o assunto mais importante pro país?" para "qual o assunto mais importante no seu dia a dia?" alteram totalmente os resultados.
Reparem nos itens "imigração" (Immigration) e "custo de vida" (Cost of Living)
Comparem os equivalentes a "imigração" (Immigration) e "custo de vida" (Cost of Living) com o gráfico anterior.

Os outros dois pontos que foram levantados eram que as pesquisas são "carentes em hierarquização dos elementos" e "com foco insuficiente no que não é relevante", onde os pesquisadores testam se a ideia de "escolher o melhor" é uma boa prática e se perguntar o que é o menos importante tem efeito na pesquisa.

Uma coisa apontada pelo Lucas Gelape é que essas pesquisas são boas em encontrar o assunto mais 'saliente' e eu acho que esse é o tipo de característica muito afetada pelo ambiente informacional.

Fascismo light vs. Fascismo hardcore

O outro assunto que conversei com o Lucas Gelape na entrevista foi uma nota de pesquisa da Universidade de Cambridge com o título "Does accommodation work? Mainstream party strategies and the success of radical right parties" (Acomodação funciona? Estratégias de partidos bem estabelecidos e sucessos de partidos radicais de direita, em tradução livre).

O objetivo dessa pesquisa era entender o efeito da adoção de posições radicais por partidos mainstream sobre o sucesso de partidos radicais.

O artigo usa o conceito de mainstream para falar de partidos grandes e estabelecidos, que acabam tendendo para o centro. Por exemplo, o partido conservador inglês e o partido democrata cristão alemão estão nesse grupo.

O principal achado da pesquisa é o fato de que não encontraram evidências que a estratégia usada por muitos partidos de centro direita de imitar pautas dos partidos mais extremados é capaz de "roubar" votos dos partidos radicais. Inclusive, encontraram evidências do contrário.

Ou seja, dada as opções de um fascismo light e o fascismo original, o eleitor vai escolher o produto original. Como o radical de direita francês Jean-Marie Le Pen dizia: "No geral, as pessoas preferem os originais às cópias".


Eleições brasileiras de 2026

Com o anúncio do nome de Aldo Rebelo como candidato a presidência do Brasil, acredito que chegou o momento de termos uma seção dedicada às eleições do nosso país em 2026.

Mais importante que o Aldo Rebelo, Flávio Bolsonaro e Lula colocaram seus nomes na disputa. O nome do Flávio dá a impressão de ser mais incerto, ainda que, entre os 4 filhos numerados do Jair, seja o único com viabilidade.

Começando pelas principais datas do ano que vem para os candidatos:

  • Desincompatibilização | As datas são diferentes para diferentes cargos, mas acontecerão 3 ou 6 meses antes da eleição. Então, no começo de abril e de julho veremos algumas movimentações em cargos públicos.
  • Janela partidária | O transfer-ban da Fifa intervalo no qual os deputados podem trocar de partido sem tomar punição do TSE vai ser entre março e abril de 2026. Importante ficar atento às movimentações envolvendo o mais novo partido brasileiro o "Missão".
  • Domicílio de candidatos | Essa data aqui gerou alguma dor de cabeça para o candidato Sérgio Moro em 2022. Então vale ficar de olho em outros candidatos que vão tentar candidaturas por estados que não tem residência.
  • Prazo para as candidaturas | O prazo final, final mesmo, para as candidaturas é dia 15.ago, pois a campanha começa no dia seguinte.

Testes das urnas

Semana passada, no dia 05.dez, foram concluídos os planos de testes do Teste Público da Urna (TPU), uma das fases mais importantes da etapa técnica do processo eleitoral brasileiro, já que, junto com a "votação paralela", são as cerimônias do TSE que reduzem de forma drástica as chances de um ataque nas eleições brasileiras via urnas eletrônicas.

Para esse ano foram aprovados 37 planos de teste. Que foram executados entre os dias 01 e 05.dez. Aguardando o relatório que deve ser publicado no dia 18.dez para descobrir como foi!

Solenidade de encerramento do Teste Público da Urna.

Hugo, Glauber e anistia

Estou finalizando a escrita desta edição enquanto a Câmara vota a cassação do deputado Glauber Braga (PSOL / RJ). O deputado ocupou a cadeira da presidência da Câmara no dia 09.dez por algumas horas — assim como deputados de direita haviam feito em agosto.

🚨
Breaking News

Glauber Braga foi suspenso e não cassado pela Câmara. O mesmo aconteceu, incialmente, com a Carla Zambelli, que não teve seu mandato cassado mesmo estando presa na Itália. Mas, enquanto esta newsletter estava sendo editada, Moraes determinou a perda de mandato de Zambelli e anulou votação da Câmara. [Nota de editora: pelo visto não sabemos qual será o status disso no momento em que você ler esta edição]

O presidente da Câmara Hugo Motta usou a polícia da Câmara para retirar o deputado com uma truculência que não foi vista na ocupação anterior da sua cadeira. A cena parece um corolário de algo que um colega sempre repete: "Se a esquerda fizesse o que a direita faz seria crime" (um salve pro colega anônimo que não sei se é inscrito na news).

O movimento do deputado do PSOL pareceu levar em conta que sua cassação já era fato consumado e resolveu sair com uma última performance expondo fraquezas do presidente da Câmara.

Durante o entrevero, a polícia legislativa também retirou à força jornalistas da Câmara dos Deputados, algo muito incomum na casa do poder que deveria ser o mais democrático e acessível.

Após a confusão, no meio da madrugada, Motta conseguiu pautar o PL da Dosimetria que parece muito ser uma manobra para reduzir penas dos que tentaram golpe de estado no processo que culminou no 8 de janeiro. Toda essa discussão de anistia terá muito impacto no processo eleitoral que se avizinha.


TRILILILI

  • Honduras | A eleição do país centro-americano, que aconteceu no dia 30.nov, ainda está sendo apurada — e os resultados são tão próximos que com quase 90% dos votos ainda é impossível dizer o candidato que provavelmente vencerá, e esse impasse levou a um descontentamento da população.
    • O presidente Donald Trump acusou o órgão eleitoral hondurenho de fraude. Ele também perdoou um ex-presidente da condenação de ter transportado toneladas de cocaína.
  • Mundo | A eleição para a secretaria geral das Nações Unidas será em 2026 e a tradição sugere que teremos um candidato da América do Sul. Já existe uma lista de potenciais candidatos, nessa lista a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet é minha favorita.
  • Guiné-Bissau | Na quarta-feira, 26.nov, os militares anunciaram que tomaram o poder no país africano e suspenderam as eleições que haviam acontecido no dia 23.
  • Benin | País vizinho do Guiné-Bissau sofreu uma tentativa de golpe de estado no dia 07.dez, mas o governo conseguiu conter. O país terá eleições em abril.2026.
  • Venezuela | Leiam devagar e saboreando esse parágrafo. O bilionário brasileiro Joesley Batista viajou para Caracas enquanto o espaço aéreo estava fechado pelos EUA para negociar com o presidente Nicolás Maduro sua renúncia.

Depois dessa edição cheia de assuntos diferentes, deixo ainda a recomendação deste texto aqui do Lukasz Olejnik na newsletter TechLetters, sobre o uso de Inteligência Artificial em campanhas eleitorais.

Ainda teremos mais uma edição em 2025, mas já ouço ruídos de Simone ao fundo.

#16 | Eleição via enquete online no Nepal

Olá, Lucas Lago aqui. Essa seria a edição de tecnologia desse mês de setembro, com uma atualização dos resultados de algumas eleições e um papo sobre alguma traquitana tecnológica usada em eleições.

Porém, os nepaleses realizaram a mais inusitada das eleições e, como me ensinaram recentemente, os fatos se impõem quando você lida com jornalismo.

Conversei com a Yam Kumari Kandel, jornalista que mora em Kathmandu e me ajudou a entender tudo o que rolou por lá. Leiam o trabalho dela na Global Press, especialmente este texto aqui, sobre jovens nepalenses que foram lutar pela Ucrânia.

Sobre os resultados da semana passada, tudo aconteceu como esperado: os noruegueses mantiveram a tradição de votar no partido trabalhista, apesar do aumento das cadeiras da extrema-direita.


Eleição via /poll no Nepal

Informações Gerais
População 29.6 milhões
Eleitores 145 mil usuários do Discord
Sistema de votação Enquete online
Sistema de governo Parlamentarista

Em maio de 2015, o aplicativo de mensagens Discord foi lançado em São Francisco, e se torna popular entre gamers na internet. No mesmo ano, em setembro, o Nepal consegue promulgar uma constituição democrática. Agora, em 2025, o Discord está sendo usado para reorganizar os poderes na jovem democracia nepalense.

No início de setembro aconteceram manifestações populares que se iniciaram com os motivos tradicionais: "contra a corrupção". As manifestações se intensificaram após o governo decidir banir 26 aplicativos de redes sociais e, após casos de violência policial, os conflitos entre manifestantes e policiais se intensificaram com diversas mortes.

Entre 8 e 9 de setembro, as manifestações atingiram seu ponto máximo. Prédios públicos foram incendiados, o exército teve que intervir e o primeiro ministro renunciou. A esposa de um ex-primeiro ministro está em estado grave por conta de queimaduras sofridas quando manifestantes incendiaram sua casa.

A principal característica que a mídia internacional destacou dos protestos é a demografia. Os protestos foram liderados por jovens com menos de 28 anos, e alguns dos que morreram nos protestos estão sendo tratados como mártires.

Nas imagens que circularam na internet durante os protestos era possível ver o uso de bandeiras inspiradas no anime One Piece. O mesmo aconteceu em protestos na Indonésia e no Perú.

Isso reforçou a minha percepção de que esses protestos realmente surgiram entre jovens e a partir de comunidades online – já que símbolos como esses são bastante comuns nesses grupos e One Piece é uma mídia que debate diversos temas políticos com uma profundidade impressionante para uma história que trata de uma pessoa com 'poderes de borracha'.
Peguei a imagem no Twitter, o tweet infelizmente não menciona a autoria da foto. https://x.com/vidsthatgohard/status/1966454893960380675

E só pra pontuar como tudo foi muito "gen Z" nesses protestos. Temos vídeos de jovens no celular impedindo caminhões do exército, jovens desviando de jatos de água desses caminhões usados em protestos e jovens sendo jovens.

Após a queda do primeiro ministro, o exército assumiu o controle das ruas e começou negociações com os manifestantes para decidir quem seria o primeiro ministro interino. E aqui a energia caótica da juventude brilhou novamente.

As decisões no servidor Hami Nepal

O Discord é um aplicativo de mensagens que permite mensagens de texto, áudio e vídeo. Se você já participou de algum evento do Núcleo, provavelmente foi por meio do Discord.

Nesse aplicativo qualquer pessoa pode criar um servidor, e convidar pessoas para integrá-lo. Nesse servidor são criados canais para diferentes assuntos, além das pessoas poderem conversar individualmente usando mensagens diretas. É ótimo pra organizar as conversas da empresa.

A organização Hami Nepal que atua no país desde a constituição, organizou um servidor no Discord e usou esse servidor como um hub para organizar os protestos. O Instagram da organização tem muitos vídeos com dicas sobre como manter os protestos pacíficos e outros detalhes como as exigências dos manifestantes.

Quando o exército consultou os manifestantes para verificarem se havia alguma sugestão de nome para ocupar interinamente o cargo de primeiro-ministro, o servidor do Discord que já contava com mais de 100 mil pessoas foi usado para realizar os debates entre os manifestantes.

Organizando diversas enquetes no servidor eles decidiram que o nome da presidenta da Suprema Corte Sushila Karki, era a escolha deles. O nome dela superou outras opções como:

  • Balen Shah, rapper e atual prefeito da capital Kathmandu;
  • Harka Sampang, atual prefeito de Dharan;
  • Sagar Dhakal, jogador de críquete;
  • Mahabir Pun, pesquisador e ativista que ajudou a levar internet para áreas remotas no Himalaia;
  • Qualquer outro nepalense aleatório, vale o registro que o nepalense aleatório ficou em segundo lugar na enquete.

O acordo entre exército, juventude e políticos que ainda tinham algum poder para colocar a Sushila Karki como primeira-ministra com certeza seguiu ritos inesperados e não deve aderir a constituição. Mas o compromisso de novas eleições para o ano que vem deve ser suficiente para a manutenção dela por esses meses.

Agora é acompanhar para ver se a revolução feita pela juventude no Nepal leva a mudanças reais. Torcer para que o uso do Discord como plataforma seja um melhor presságio que o Twitter foi para a primavera árabe.


Sem surpresas

Na eleição para o Storting norueguês o partido trabalhista conseguiu mais uma vitória, aumentando a tradição secular. Conseguiu 5 assentos a mais que na eleição de 2021 e pouco mais de 28% dos votos.

O partido que se bandeou para a extrema-direita ficou em segundo, derrubando partidos de direita mais tradicional (tanto conservadores como agrarianistas perderam cadeiras).

Os trabalhistas devem formar um governo de minoria, sem se afiliar formalmente com os outros partidos de esquerda do parlamento.

A eleição da Síria está ocorrendo nesta semana (15 a 20 de setembro). Resultados na próxima edição.


Curtas

  • Argentina | Candidatos apoiados pelo presidente Javier Milei sofreram uma pesada derrota nas eleições provinciais. Isso deve ter acendido várias luzes vermelhas no governo.
  • França | Cidades que fazem parte do Tour de France (competição de ciclismo) apresentam redução no voto de extrema-direita, ou pelo menos é o que esse artigo sugere.
  • Índia | O vice-presidente da Índia renunciou por conta de questões de saúde e como lá as eleições para presidente e vice são separadas, houve uma eleição indireta antecipada e venceu o candidato do partido do Narendra Modi.
  • Camarões | No dia 12 de outubro acontecerão as eleições presidenciais do país. O atual presidente Paul Biya, de 92 anos, vai tentar a oitava reeleição.

A edição de hoje, apesar de ter atrapalhado minha ideia de alternância entre edições tecnológicas e edições internacionais foi muito interessante de escrever e pesquisar.

E me deu uma desculpa para falar de One Piece! Se você nunca viu nada sobre essa obra, que está com 1.160 capítulos semanais lançados no mangá e quase a mesma quantidade de episódios do anime, saiba que você está essencialmente perdendo a Odisseia moderna.

Além das batalhas Shonen com poderes sobrenaturais, temos uma obra com críticas: ao autoritarismo dos militares, à busca por armas de destruição em massa por superpotências, à supressão do ensino de história, à perseguição da ciência e ao jornalismo quando esse manipula informações para benefício próprio. Vale o investimento de tempo.

E na torcida por dias melhores no Nepal, vou encerrar com a fala do [spoiler de One Piece] na ilha [spoiler de One Piece]: Eu consigo ouvir os tambores da libertação.

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