Olá, Lucas Lago aqui. Hoje vamos falar de eleições na nossa vizinha Bolívia. O país possui constituição muito inovadora, que utiliza o conceito de plurinacionalidade para legitimar os diferentes povos originários do país, mas que também serviu de pretexto para que Evo Morales permanecesse na presidência por treze anos.
Falei com duas fontes bolivianas para entender o que está rolando lá. Uma das fontes pediu que a entrevista não fosse publicada para evitar problemas no trabalho dela. A outra foi a Patrícia, do projeto Bolivia Verifica, que me ajudou demais.
Na saideira da newsletter, comento brevemente do retorno das lives de Fernando Cerimedo, estrategista de Milei, com ataques toscos à eleição brasileira.
A EVOlução* da política boliviana
É impossível falar de eleição na Bolívia sem mencionar Evo Morales. Então, antes de falar da eleição de agora, precisamos de uma linha do tempo com alguns dos principais acontecimentos que envolvem o cocaleiro que ascendeu à presidência.
Diferente de outros partidos de esquerda que possuem ideologias moderadas, a ideologia do Movimento ao Socialismo (MAS), partido criado por Morales, parte do princípio que “O pior pecado da humanidade é o capitalismo”.
O partido sempre foi um sucesso eleitoral. Além das 5 vitórias em eleições presidenciais, o MAS governa a Bolívia com maioria nas duas casas legislativas desde 2005. Atualmente conta com 55% dos deputados e quase 60% dos senadores.
Evo concorreu à presidência 5 vezes. Em 2002 foi derrotado por Gonzalo Sánchez de Lozada, que concorreu pelo Movimento Nacionalista Revolucionário (um partido que foi historicamente de esquerda e virou conservador-nacionalista), junto com o MBL (Movimento Bolívia Livre, juro).
Em 2005, Evo foi eleito para o mandato de 2006-2009. Durante esse mandato a Bolívia aprova uma nova constituição, deixando de ser a “República da Bolívia” para se tornar o “Estado Plurinacional da Bolívia”. Nessa nova constituição um limite de dois mandatos presidenciais é determinado.
Em 2009, Evo é eleito novamente. Nesse governo (2009-2014) ele aprofunda algumas das mudanças que a nova constituição exigia. No final desse mandato, Evo consegue uma decisão do Tribunal Constitucional Plurinacional que permite que ele concorra novamente.
A lógica da decisão é que a primeira vitória de Evo ocorreu na “República da Bolívia” e que portanto não poderia ser contabilizada para a proibição de reeleições no “Estado Plurinacional da Bolívia”.
Mesmo que juridicamente válida, a decisão foi amplamente condenada.
Evo concorre então pela terceira vez e vence. Nesse mandato (2014-2019) e no anterior Evo governou com uma ampla maioria no congresso, e conseguiu aprovar diversas reformas econômicas. Em 2016, Evo decide que irá concorrer novamente a presidência, mas para isso precisa alterar a constituição.
O referendo organizado para permitir que Evo concorra mais uma vez é derrotado. O partido apela para a suprema corte, que decide que impor limites de reeleição é contra os direitos humanos. Evo concorre pela pela quarta vez e vence.
Essa vitória é questionada pela oposição, a Organização dos Estados Americanos começa um processo de auditoria dos votos, mas antes do resultado Evo renuncia à presidência, foge do país e é sucedido pelo governo interino de Jeanine Áñez presidenta do Senado à época.
Apesar do fato de Evo ter concorrido ser claramente um dibre na democracia Boliviana, a pressão de militares e policiais para a remoção do presidente antes mesmo do fim do seu mandato foi considerada um golpe de estado.
Jeanine Áñes e parte dos seus apoiadores foram julgados e presos por esse crime em 2021.
Após 1 ano do governo interino, novas eleições foram realizadas e Luis Arce – que foi um ministro importante nos governos do Evo – é eleito. Evo Morales retorna para o país em novembro de 2020, um dia depois da posse de Arce.
A eleição Boliviana de 2025
O governo de Luis Arce chega ao fim com a pior crise de incumbente já vista. Em jun.24 sofreu uma estranha tentativa de golpe, onde um general tentou tomar o palácio com um tanque, mas depois de tomar uma bronca do presidente, desistiu.

O governo de Arce foi impactado negativamente pelas consequências da COVID-19, pela queda da produção de gás natural e por um conflito fratricida com Evo Morales. Arce não irá concorrer pela reeleição.
A briga entre Arce e Evo foi tão intensa que Evo deixou o MAS e tentou concorrer com um novo partido que possui o nome EVO-PUEBLO. Mas como a Bolívia exige muitas assinaturas para legalizar um partido (diferente do Canadá), ele não conseguiu e está fora do páreo pela primeira vez em mais de 20 anos.
Ao invés dos dois, o jovem Eduardo de Castillo assumiu como cabeça de chave da esquerda. Mas está ralando pra conseguir registrar 2% de intenção de voto nas pesquisas. A eleição deverá ser decidida em um segundo turno entre dois candidatos de direita: Samuel Medina e Jorge Quiroga, que estão essencialmente empatados.
A Patricia, usando dados do Observatorio de Desinformación Electoral de Bolivia Verifica, comentou que uma das principais mudanças dessa campanha é que ela saiu das ruas e migrou para o ambiente digital, incluindo o uso de IAs generativas no processo.
A frequência de desinformação aumentou em 3 vezes nas últimas semanas, e as principais plataformas usadas são Facebook, TikTok e Whatsapp.
Os principais alvos de desinformação são os candidatos à direita, mas existem ataques coordenados também contra o candidato do MAS.
O processo de votação na eleição na Bolívia
O processo boliviano é muito similar ao antigo processo brasileiro: cédulas de papel, contagem nas próprias mesas de votação e atas assinadas por todas as testemunhas encaminhadas para o tribunal eleitoral e os partidos.
Uma diferença interessante é que caso um dos candidatos no primeiro turno tenha mais de 40% dos votos e pelo menos 10% de vantagem do segundo colocado, ele é eleito. Com essa regra não teríamos segundo turno entre Bolsonaro e Haddad em 2018, por exemplo.
Outra diferença vem do reconhecimento dos povos originários. Sete das 130 cadeiras da câmara são reservadas para deputados dos povos originários e decididas por regras próprias desses povos (regras de usos y costumbres).
Minha fonte comentou que existem algumas denúncias de fraude envolvendo a inserção de votos pelos oficiais responsáveis pela organização da eleição entre o fim da votação e o início da contagem – o que aqui no Brasil ficou conhecido como fraude do mesário.
A fraude do mesário é um tipo de fraude onde as urnas são ‘engravidadas’ (ballot stuffing em inglês. Consiste nos mesários adicionarem votos no lugar dos eleitores, tipicamente nos minutos finais da eleição, quando existe alguma garantia que o eleitor não apareceria para votar.
Era uma fraude comum aqui no Brasil e o desenvolvimento da urna eletrônica não contribui para sua mitigação. A adição da biometria auxilia um pouco.
Existem outros tipos de ballot stuffing como esses casos super discretos que ocorreram na última eleição do Putin na Rússia.
Existem poucas provas dessas fraudes e o relatório da OEA que apontou fraudes no processo Boliviano em 2019 foi demonstrado falho por pesquisadores americanos no ano seguinte.
Seguimos acompanhando e torcendo para um pouco de estabilidade política para nosso vizinho que já sofreu 48 tentativas de golpes de estado.
As lives do argentino sobre a eleição brasileira
Mas falando em relatórios que foram provados falsos, Fernando Cerimedo, estrategista de Javier Milei e um ávido conspirador. Voltou a compartilhar suas duas lives sobre o processo eleitoral brasileiro em 2022.
Elas estão linkadas em seu perfil na Truth Social, em posts que levam para vídeos no Rumble. Ou seja, pouquíssimas pessoas vão ver isso.
Caso você queira saber quais os erros que ele cometeu – tem um relatório da USP que sou coautor explicando as groselhas.
Recadinhos finais e notas de rodapé
* Não aceitarei críticas às minhas piadas de segunda categoria.
Como sempre, compartilhem a newsletter com seus amigos. Em breve vamos migrar para uma casa nova no Ghost e vamos dar uma repaginada nela.