O voto que conta

Uma newsletter quinzenal sobre sistemas de votação

Impressa e Auditável

Giro eleitoral europeu: Portugal, Romênia e Vaticano

Olá, Lucas Lago aqui. Mais três eleições pra falar essa semana. Nessa edição vou passar por 3 países: Portugal, Romênia e Vaticano.

O conclave aconteceu sem muitas questões e o novo Papa é o Leão XIV, mas ainda acho que podemos falar um pouco. As outras duas acontecem nesse domingo, 18.mai.

entrevista dessa edição é sobre a Romênia. O entrevistado é diretor executivo de uma ONG que defende direitos digitais no país incluindo diversos projetos juntos com a União Europeia: Bogdan Manoela.


Informações gerais - Romênia

População

19 milhões

Eleitores

14,5 milhões

Sistema de votação

Voto direto, com dois turnos

Sistema de governo

Semi-presidencialismo

Próxima eleição

18.mai.25


Conclave – só Deus pra auditar

O conclave, assim como outras eleições indiretas, tem participação de poucas pessoas (133 cardeais, nesse ano) e com isso tem regras muito diferentes de uma eleição popular.

Por ser um processo que se repete a quase mil anos, ele é cheio de tradições, a maioria não serve como paralelo para eleições de outros lugares, mas uma delas é bastante útil: a tal da fumaça preta/branca.

Primeiro a resposta sobre a feitiçaria das fumaças terem cores tão prenunciadas: o Vaticano mistura componentes químicos específicos, como lactose, para conseguir a paleta certa pro chá revelação do novo papa.

Isso garante que quando acontece a queima das cédulas eleitorais a fumaça tem exatamente a cor que se espera.

O processo de escrutínio dos votos no conclave é bem simples: 3 cardeais olham cada voto, escrevem o nome em uma lista. No fim do processo os cardeais interessados conferem e passam cada voto por uma agulha com uma linha vermelha.

Essa história de linha e agulha me lembrou do mito das moiras e o fio da vida (a obra chama “fio dourado”, do pintor John Melhuish Strudwick, de 1885)

Após a conferência e anúncio dos resultados para os outros cardeais os votos são incinerados. Nada de resultados públicos, nada de atas eleitorais. Só conseguimos algumas informações por meio de uns cardeais abençoados com o dom da fofoca.

Meio que tudo tranquilo lá na Faixa dos Gajos

Nesse domingo (18-maio) acontece a eleição para a câmara em Portugal. Ano passado teve eleição, mas o primeiro-ministro Luis Montenegro caiu no começo de 2025 por conta de conflitos de interesses da sua empresa.

O governo lá é parlamentarista, e o método de cálculo de votos é similar ao da Alemanha. Preciso separar uma edição só pra explicar os diferentes métodos de quocientes eleitorais – tem pra todos os gostos.

Passada a turbulência inicial que levou ao fim do governo do Luis Montenegro, não temos grandes acontecimentos na eleição portuguesa. Inclusive a mesma coalizão (AD, de centro direita) deve ser a vencedora.

A única notícia que repercutiu desses dias que antecedem o pleito foi que o candidato do partido populista de direita ‘Chega’ André Ventura, passou mal ao beber um copo de água e foi internado.

Eleições canceladas por conta do TikTok na Romênia

Essa edição está saindo entre os dois turnos da eleição presidencial romena. O segundo turno que acontece nesse domingo deve definir o presidente do país, governado por interinos pelos últimos meses.

O motivo é que a eleição presidencial aconteceria no final de 2024, porém o aquele pleito foi cancelado pelo judiciário, por conta de levantamentos da inteligência romena, que mostraram que tanto TikTok quanto Telegram foram inundados por propaganda pró Călin Georgescu (candidato independente, de extrema-direita), financiadas por atores russos.

Georgescu havia recebido pouco mais de 20% dos votos e iria pro segundo turno contra Elena Lasconi, de centro-direita. Nessa nova eleição ele teve sua candidatura indeferida e Lasconi ficou com menos de 3% dos votos.

Segundo nosso entrevistado Bogdan, o candidato George Simion (do partido AUR [Aliança para a União dos Romenos], também de extrema-direita, e que havia amargado a quarta posição em 2024) se posicionou como herdeiro dos votos de Georgescu, que saiu do AUR em 2022.

Com isso, Simion conseguiu mais de 40% dos votos e vai com ampla vantagem para o segundo turno - disputando contra Nicușor Dan (também independente, de centro-direita) atual prefeito da capital Bucareste.

Duas coisas chamam a atenção no processo eleitoral da Romênia: a primeira, que ser de um partido (tradicional ou recém criado) é quase uma chaga para um candidato majoritário, algo que Bogdan imagina refletir uma desconfiança na política institucional.

A segunda é a incapacidade dos organizadores dos processos eleitorais de lidar com o impacto das redes sociais. Chegar ao extremo de ter que cancelar uma eleição por conta de contas artificiais no TikTok e Telegram, mostra que o país não tinha nenhuma ferramenta para mitigar o impacto. Aqui no Brasil tentamos em 2022 fazer acordos com as redes sociais, exigindo diversos compromissos das empresas.

Vamos seguir acompanhando para saber qual candidato de direita será o presidente da Romênia pelos próximos anos. O primeiro candidato que não é de direita ficou em quarto lugar na eleição desse ano, com 13% dos votos – e ele se descreve como centrista.


Resultados na Austrália e recadinho final

Na edição sobre a eleição na Austrália eu mencionei que sabíamos que a vitória seria ou de trabalhistas ou de liberais. Naquele momento as pesquisas indicavam uma indefinição com qualquer lado podendo levar.

No fim das contas o partido trabalhista obliterou* os liberais e seguirá por mais 3 anos no governo.

* Escolhi esse adjetivo em homenagem ao Sérgio Spagnuolo, que é um dos fundadores aqui do Núcleo e escreve a newsletter Appetrecho, sobre aplicativos. Vale conferir.

Eleição na Austrália

Olá, Lucas Lago aqui. Estava esperando uma edição focada em tecnologia, né? Mas tem muita eleição com informações interessantes –focaremos em tecnologia quando tivermos uma folga.

Hoje vamos falar da Austrália, o país que definiu o voto secreto moderno. Vou aproveitar para dar uma atualizada sobre o que falei nesta newsletter sobre a decisão executiva do Donald Trump e os resultados da eleição do Canadá.

Na entrevista dessa edição, trouxe o Piers Gooding, um colega australiano que faz parte, assim como eu, da Public Interest Technology Network, um grupo de pessoas que receberam bolsas para estudar tecnologia e depois se juntou para continuar se apoiando. Além dele, troquei alguns e-mails com o professor Kurt Sengul, que pesquisa o uso do humor por grupos políticos.

No final, uma atualização sobre a ideia do Trump de alterar o processo eleitoral nos Estados Unidos. Pensei em escrever sobre o Conclave que inicia agora em Maio, mas já fizeram até filme, então ainda não me decidi.

Você deve ter percebi que por causa do feriado esta edição chegou na sexta em vez de quinta, nosso dia padrão para a Impressa e Auditável. Deixo o deixo o link para fancan kwaii da urna eletrônica como agradecimento pela paciência.


Informações gerais - Austrália

População

27.8 milhões

Eleitores

18.1 milhões

Sistema de votação

Votação preferencial

Sistema de governo

Parlamentarismo

Próxima eleição

03.mai.25


A óbvia disputa política nas urnas

A Austrália é uma das antigas colônias inglesas e, assim como comentei do Canadá na edição passada, tem seu cenário político dividido entre trabalhistas e liberais. E, infelizmente, não temos um partido rinoceronte por lá.

O professor Kurt comentou comigo que os partidos menores vem crescendo e atualmente chegam a atrair 30% dos votos. Mas as pesquisas indicam que o próximo governo ficará com um dos dois partidos tradicionais mesmo.

O eleitor na Austrália não faz um X no nome do seu candidato na cédula. O sistema de votos deles é chamado de preferencial –nele você faz um ranking dos candidatos da sua região, colocando o número 1 na sua primeira opção, 2 na segunda, etc.

Na hora da contagem, o processo é o seguinte: primeiro, conta-se todos as vezes que cada candidato foi escolhido como 1ª opção, caso algum candidato consiga maioria dos votos ele está eleito por aquele distrito. No caso de ninguém ter maioria, o candidato com menos votos é removido da disputa e as cédulas dele são redistribuídas para os candidatos que foram escolhidos como segunda opção. O processo é repetido até algum candidato obter maioria simples dos votos.

Quando eu vi achei meio complicado, mas a ideia de poder escolher um “segundo” candidato caso o primeiro vá mal é bem atrativa. Principalmente para ajudar eleitores de pequenos partidos a marcar posição (o partido nacionalista de direita reforça isso na sua campanha).

O ‘voto australiano’

Normalmente quando pensamos em nações que definiram o que chamamos de democracia listamos os de sempre: Grécia, França e Estados Unidos. Mas a Austrália é responsável por uma contribuição que é um dos fundamentos de toda democracia moderna: o voto secreto.

Cabine de votação em 1989, no Brasil, patrocinada por marca de cerveja.

No final do século XIX, a Austrália foi o primeiro país a implantar o voto secreto, ainda antes de garantir o voto para mulheres ou populações originárias. Desde então, o voto secreto ficou conhecido como “voto australiano”.

Alguns anos mais tarde, a Austrália também seria pioneira na possibilidade de mulheres concorrerem a cargos eletivos.

Todos esses movimentos são parte de um esforço australiano (ainda colônia Britânica) de garantir maior representatividade nas eleições. Como grande parte da população trabalhava na mineração no interior do país, facilitar e diversificar o voto era uma forma de enfraquecer o poder do colonizador.

Na Austrália é possível votar duas vezes

Pegando o gancho da facilidade em votar, pedi pro Piers investigar uma coisa antes da nossa entrevista. As minhas pesquisas indicavam que era possível votar duas vezes em uma eleição.

Parece um absurdo, mas a ideia é que na Austrália a possibilidade de votar é facilitada. Ao chegar na sua sessão eleitoral, você informa seus dados, assina uma lista e vai para a cabine votar.

Não tem necessidade de documento com foto, não tem lista de nomes que podem votar naquela sessão, não tem livro com todos os nomes já impressos pra assinar e destacar o comprovante. Você escreve seu nome na lista.

Caso a Comissão Australiana Eleitoral encontre votos duplicados, os usuários são notificados e podem explicar o que ocorreu. Caso não consigam existem algumas punições previstas. Como os votos eram secretos, não existe possibilidade de remoção ou recontagem.


Justiça bloqueia parte das alterações propostas por Trump

Como eu havia adiantado na edição sobre as propostas de alteração no processo eleitoral feitas pela Casa Branca, a ordem executiva parecia ir contra pontos importantes da constituição.

No dia 24 de abril, a primeira decisão suspendendo parte das alterações propostas por Trump foi dada por um juiz do Distrito de Columbia. A decisão se baseia no fato que a ordem executiva do Trump afetava comissões independentes, as obrigando a alterar suas regras.

Acompanharemos os próximos capítulos dessa disputa.


Resultados do partido Rinoceronte no Canadá

Nosso convidado da edição passada, Sebastién CoRhino, recebeu 31 votos em seu distrito e não será um dos representantes no parlamento canadense. Mas a campanha do partido contra o líder do partido conservador deu resultado, a vitória do distrito foi para o candidato liberal.

O primeiro ministro continuará sendo do partido liberal, que conseguiu 169 assentos no parlamento, 3 a menos do que necessitava para ter a maioria. O governo vai precisar precisar de negociações para tentar o apoio de outros partidos do parlamento. As possibilidades são: o Bloco Quebequense (22 parlamentares), O NDP (Novo Partido Democrata, 7 parlamentares) ou os verdes (1 parlamentar).

Alguns recadinhos, finais como sempre:

  • Não deixem de assistir a entrevista. O Piers entra em vários detalhes legais sobre as eleições.
  • Já conhecem a Polígono? Newsletter de divulgação científica do Núcleo, escrita pela Chloé Pinheiro e pela Meghie Rodrigues!

As lições do partido Rinoceronte no Canadá

Olá, Lucas Lago aqui. Para preparar essa newsletter eu conversei com o candidato e antigo líder (2014 a 2024) do partido canadense “Rhinoceros Party”, Sébastien CôRhino.

É um partido criado como forma de protesto bem humorado, mas que acaba se tornando uma ótima lente para observar o sistema eleitoral e a política canadense.

No final da newsletter tem uma atualização sobre a eleição no Equador. Para surpresa de ninguém, o candidato que ignorava as regras parece ter ignorado as regras.


Informações gerais - Canadá

População

41 milhões

Eleitores

27,6 milhões

Sistema de votação

Distrital com maioria simples

Sistema de governo

Parlamentarista

Próxima eleição

28.abr.25


A criação do partido Rinoceronte

Diferente das outras edições, conversei dessa vez com um membro de um partido. Logo, o conteúdo será enviesado.

Partido Rinoceronte do Canadá foi fundado em 1963 por Jacques Ferron, como um “partido de guerrilha intelectual”. O partido tem em seu plano de governo ideias que vão do completo absurdo à crítica regada a ironia:

  • Reduzir o número de acidentes de trabalho enrolando os trabalhadores em plástico bolha;
  • Abrir paraísos fiscais nas diversas cidades do país para ‘fazer com que o dinheiro estrangeiro seja local’;
  • Terminar o projeto de privatização do Senado, iniciado nos governos anteriores.
O nome “Rhinoceros Party” foi dado em homenagem à rinoceronte Cacareco, do zoológico do Rio de Janeiro. Cacareco foi eleita para a câmara dos vereadores de São Paulo com 100 mil votos em 1959.

Na última eleição, Cacareco seria a 8ª mais votada e teria cadeira garantida na câmara.

O Canadá possui muitos partidos que são de nicho, como o Bloco Quebequense –que defende somente interesses de uma província, ou de protesto. Além do Partido Rinoceronte, existe o partido Marijuana, com a óbvia pauta de legalizar a maconha.

Sebastién me explicou que para criar e manter um partido no Canadá são necessárias as assinaturas de somente duzentas e cinquenta pessoas elegíveis no país. Aqui no Brasil, em contraste, são cerca de 500 mil assinaturas.

Além dessa facilidade de montar partidos, é possível concorrer no Canadá como “independente”, sem apoio de nenhum partido.

A maior cédula eleitoral do mundo e outras presepadas dos rinocerontes

É visível o esforço do “Elections Canada”, o órgão organizador das eleições, em democratizar a participação dos canadenses. Criar um partido é simples, e além disso é possível ser candidato sem partido.

O Partido Rinoceronte, por ser um partido de protesto, acaba estressando diversos pontos da legislação eleitoral canadense. Na sua fundação nomearam um rinoceronte como líder do partido, que se manteve por décadas como líder até que o órgão responsável exigisse que o líder fosse um ser humano com capacidade de ser eleito.

Décadas depois, o partido cadastrou 2 candidatos no mesmo distrito. E, nos debates, os dois faziam questão de discordar 100% um do outro, o que também levou a ajustes na legislação.

É fácil olhar para essas fanfarronices como algo sem valor, mas é o tipo de ação que escancara o caráter performático dos diferentes elementos de um processo eleitoral.

Em 2019, já sob o comando de Sebastién, o partido trabalhou para agregar o maior número de candidatos em um distrito eleitoral. Como no Canadá a cédula deve conter o nome de todos os candidatos, a Elections Canada, foi obrigada a ditribuir cédulas com 91 nomes para um distrito da capital da província de Sascachevão.

Sebastién posa ao lado de um modelo da maior cédula eleitoral do mundo durante a entrevista.

O inescapável bipartidarismo nas colônias inglesas

Apesar das ideias cativantes do Partido Rinoceronte, tudo indica que nessas próximas eleições as duas maiores bancadas serão dos mesmo partidos de sempre: o Partido Liberal do Canadá (partido do Justin Trudeau e do Mark Carney, e que atualmente possui maioria) e o Partido Conservador do Canadá.

No início da corrida eleitoral o partido conservador apresentava uma vantagem e poderia ser o vencedor, mas os 90 dias do governo Trump mudaram esse cenário. Segundo o agregador de pesquisas 338canada.com, atualmente é mais provável que o partido liberal amplie a maioria dos assentos e Mark Carney siga como primeiro ministro.


Atualizações sobre a eleição no Equador

Na mais recente edição sobre uma eleição específica, falei sobre o pleito no nosso vizinho. A eleição ocorreu no domingo (13 de abril) e o resultado anunciado pelo Consejo Nacional Electoral foi de uma vitória folgada de Daniel Noboa, com cerca de 56% dos votos.

Diferente do caso da Venezuela, o resultado não foi questionado pelos observadores internacionais até o momento. Tudo indica que o Brasil vai acompanhar a posição dos observadores –já Gustavo Petro, da Colômbia, se posicionou contra.

Estão circulando nas redes sociais fotos de atas eleitorais que aparentam estar sem as devidas assinaturas, algo que levanta suspeitas sobre a lisura do processo.

Porém não é preciso entrar nesses detalhes para avaliar se houve lisura no processo eleitoral do Equador. O atual presidente, Daniel Noboa, repetidamente desrespeitou a legislação do país, pagou milhões em auxílios fora de época e no dia do segundo turno colocou quase todo o país sob estado de sítio, com militares supervisionando o processo eleitoral. Não são características de um processo democrático.

Me resta desejar sorte aos amigos Ola e Sara!


Ah, dois recadinhos finais:

  • Recomendo sempre que assistam os vídeos das entrevistas, obviamente não consigo trazer 1 hora de entrevista para o texto da news.
  • Gostou da newsletter? Quer compartilhar o conteúdo? Entra aqui pra achar a edição que você gostou e encaminhar para as pessoas. É o melhor jeito de garantir que mais pessoas acessem, se inscrevam e conheçam o nosso trabalho.

O elogio de Trump

Olá, Lucas Lago aqui. O que acharam da edição sobre o segundo turno do Equador? Eu adorei entrevistar o Ola Bini e a Sara Zambrano para me preparar para a edição.

A perspectiva de quem tá vivendo o processo lá é muito diferente do que a gente pega no noticiário internacional.

Hoje voltamos a falar de tecnologia, mas com um toque de eleição americana, já que o presidente Donald Trump usou o Brasil de exemplo na sua proposta de alteração do sistema eleitoral de lá.


O decreto da Casa Branca

Dando uma lida no decreto do dia 25 de março intitulado “PRESERVING AND PROTECTING THE INTEGRITY OF AMERICAN ELECTIONS” encontramos vários países sendo citados na primeira seção para exemplificar pontos do processo eleitoral onde, para o governo de Donald Trump, os Estados Unidos falham. É ali que encontramos o suposto elogio ao Brasil (e à Índia, no mesmo ponto):

India and Brazil, for example, are tying voter identification to a biometric database, while the United States largely relies on self-attestation for citizenship.

Minha tradução abaixo:

Por exemplo, Índia e Brasil estão usando bancos de dados de identificação biométrica para realizar identificação de eleitores, enquanto os Estados Unidos ainda se baseia em autodeclaração para cidadania.
O meme “Brazil mentioned” é baseado na personagem Yui do anime K-ON!. Todas essas informações são irrelevante pro nosso contexto.

A mesma seção ainda cita Alemanha e Canadá como exemplo para contagem de votos e Dinamarca e Suécia para votos pelo correio. O projeto da Casa Branca busca mitigar eventuais falhas nesses três pontos.

E os três pontos são passíveis de melhorias - do ponto de vista técnico. Mas não sei se a constituição americana concorda com as alterações – alguém conhece um bom pesquisador da área?


Voto é direito ou voto é obrigação?

É impossível separar esse projeto de lei do contexto maior da presidência de Donald Trump, especialmente dos pontos indicados no Projeto 2025 (site oficial aqui, matéria explicativa da BBC aqui).

As alterações no processo eleitoral é um dos itens do projeto, e envolve entre outras coisas:

  • Acesso federal à listas de eleitores estaduais;
  • Encerramento do projeto do governo anterior de estímulo à participação eleitoral.

A organização das eleições nos EUA é responsabilidade dos estados, não existe um órgão em âmbito federal que dita as regras como o Tribunal Superior Eleitoral aqui no Brasil. Regras básicas como ‘qual documento é válido no dia da eleição’ são diferentes entre os estados.

Tradicionalmente, estados controlados pelo partido democrata possuem regras menos rígidas e estimulam ao máximo a participação. Enquanto os estados republicanos possuem regras rígidas e, às vezes, desestimulam a participação eleitoral de certos grupos (na eleição americana falaremos de gerrymandering).

A proposta atual do Trump é de basicamente aplicar as regras rígidas dos estados republicanos nacionalmente. Exigindo documentos específicos para votar – e eventualmente um cadastro biométrico.

Aqui é onde a diferença entre a forma que os EUA (especialmente em estados republicanos) e o Brasil e a Índia atuam é crucial.

No Brasil, votar é além de um direito, algo compulsório. Por conta disso, o TSE é obrigado a garantir que qualquer requisito imposto ao cidadão seja acessível para ele de forma gratuita e facilitada.

Todo documento que o TSE exige para o brasileiro votar, sempre esteve disponível gratuitamente para quem não consegue pagar.

E na Índia, apesar do voto não ser compulsório, existe um esforço do governo em garantir o acesso ao direito do voto. Por exemplo, existe uma regra que fala que "nenhum cidadão pode estar a mais de 2 quilômetros de uma zona eleitoral".

O projeto do Trump, nesse ponto, parece mais um esforço para afastar pessoas que terão dificuldades em conseguir se ajustar as novas regras de participarem do processo.


E a nossa urna? Foi elogiada?

Não foi elogiada, e ao ler com cuidado podemos ver que ela foi criticada. Em outro trecho ainda da seção 1 do documento lê-se:

Germany and Canada require use of paper ballots, counted in public by local officials, which substantially reduces the number of disputes as compared to the American patchwork of voting methods that can lead to basic chain-of-custody problems.

Na minha tradução livre:

Canadá e Alemanha exigem o uso de cédulas de papel que são contadas em público por oficiais locais, isso reduz o número de disputas judiciais se compararmos com a colcha de retalhos de métodos de votação americana que leva a problemas de cadeia de custódia.

Aqui o documento da Casa Branca ecoa os mais ferrenhos críticos da urna ao demandar que exista uma contagem pública de votos em cédulas de papel.

Nada de PRILILILIN na eleição americana.


Próximas eleições:

Aconteceu um bocado de coisa no mundo, então teremos eleições muito importantes em 4 países nos meses de Abril e Maio:

  • Portugal, porque o governo não sobreviveu a um voto de desconfiança agora em março. A eleição acontece dia 18.mai.
  • No dia 4.mai, a Austrália vai às urnas - lá não rolou nada especial, mas eles poderiam ter escolhido outras datas.
  • Na Romênia, o primeiro turno da eleição que ocorreu no final de 2024 foi cancelado e teremos uma segunda tentativa também no dia 4.mai.
  • E o Canadá também terá eleições em breve, dia 28.abr. O Justin Trudeau saiu da liderança do partido e seu substituto chamou as eleições.

Vou tentar encaixar todas em uma agenda para não deixar nada de fora. Então talvez não tenha alguma edição exclusiva sobre tecnologia em Maio.


Para aprofundar mais sobre eleições na Índia

Primeiro uma reportagem lindamente ilustrada da Reuters:

India's election 2024: A logistical triumph across a vast polling networkPoll workers reach India’s most remote corners to set up polling stations

E segundo uma reportagem do Daily Show:

Segundo turno no Equador

Olá, Lucas Lago aqui. Primeiro queria agradecer os feedbacks que recebi relacionado ao uso de notas de rodapé, elas não funcionam bem no mobile e em alguns clientes de e-mail. Então escrevi essa edição sem usar esse recurso.

Pra preparar essa edição conversei com colegas do Equador que fazem parte do Centro de Autonomia Digital, organização do Equador que tem como missão melhorar a soberania digital dos cidadãos do país. Falei com Ola Bini e Sara Zambrano.

Vamos falar da eleição desse vizinho sul-americano que não faz fronteira com a gente, mas amamos ele mesmo assim. Uma eleição que está polarizada entre um candidato de direita e uma candidata de esquerda, para a surpresa de ninguém.


Informações gerais - Equador

População

19.9 milhões

Eleitores

13.7 milhões

Sistema de votação

Majoritário com dois turnos

Sistema de governo

Presidencialista

Próxima eleição

14-abril-2025 (segundo turno)


O príncipe das bananas tem dificuldades no segundo turno

Acontece agora em 13 de Abril o segundo turno das eleições do Equador, após a decisão em 2023 do ex-presidente Guillermo Lasso de utilizar o instrumento da “morte cruzada” para dissolver o congresso e chamar novas eleições.

O instrumento da “morte cruzada” acaba causando um efeito similar de um voto de desconfiança num governo parlamentarista. A diferença no caso é que a eleição foi para um mandato tampão de poucos anos.

Ainda na disputa estão Daniel Noboa, atual presidente do tal mandato tampão e apelidado de ‘príncipe das bananas’ por conta da origem da fortuna de sua família, e Luisa Gonzáles, candidata pelo Movimiento Revolución Ciudadana partido que tem o ex-presidente Rafael Correa como um de seus líderes.

Ambos conseguiram cerca de 44% dos votos no primeiro turno, com o candidato indígena Leonidas Iza com pouco mais de 5% dos votos. Leonidas já declarou apoio a Luisa Gonzáles.

O Equador segue a tradição de cédulas eleitorais gigantes aqui da América Latina, é possível dar uma olhada nela aqui no vídeo institucional do Consejo Nacional Electoral. Em 2014 o país testou 3 modelos de urna eletrônica: um russo, um venezuelano e um argentino. Apesar das notícias indicarem que os testes foram bem sucedidos, a adoção não avançou.

O conselho nacional eleitoral e os “5 poderes do Estado no Equador”

Em 2008, o Equador escreveu uma nova constituição depois de vários períodos turbulentos e ela contém uma inovação na organização do Estado: uma divisão dos poderes do estado em 5 funções independentes.

Além das 3 que já estamos acostumados, executiva, legislativa e judiciária, o Equador conta com uma função eleitoral e uma função de controle social e transparência. A ideia de dar independência para essas funções é impedir que fossem capturadas por interesses políticos.

Consejo Nacional Electoral (CNE) substituiu o Tribunal Superior Eleitoral equatoriano que, apesar de ter certa independência, era influenciado pelo Congresso Nacional. Atualmente a escolha dos cinco ‘vocales’ que comandam o órgão é realizada com uma participação mais direta da população.

O processo atual envolve uma avaliação dos candidatos por uma comissão formada por 5 membros do Consejo de Participación Ciudadana y Control Social (CPCCS, órgão também independente com intensa participação popular) e 5 membros de órgãos do Estado.

Esse comitê coordena o processo que envolve inclusive análise de currículo e sabatinas com cidadãos. Os melhores candidatos são então nomeados pelo CPCCS.

Apesar da independência do órgão e da transparência na seleção dos membros, o CNE não foi capaz de se impor perante o presidente Noboa, que ignorou a constituição ao recusar se afastar da presidência durante os 30 dias de campanha eleitoral.

A urna brasileira no Equador

Além dos três modelos testados em 2014, o Equador testou a urna eletrônica brasileira, lá nos idos de 2004 - logo depois do TSE brasileiro adotar o Registro Digital do Voto após testes com o voto impresso.

Todas as notícias indicam que os testes, tanto em 2004 quanto em 2014, foram bem sucedidos e que os eleitores e o órgão eleitoral aprovaram a experiência, mas o CNE decidiu seguir com métodos de votação tradicionais.

Apesar de não utilizarem máquinas de votar, o Equador tentou em 2023 usar um sistema de votação via internet para os equatorianos vivendo no exterior.

A missão de observação da OEA que acompanhou as eleições apontou que o país usou software proprietário, não conseguiu garantir que os votos eram únicos e as atas com as totalizações internacionais não estavam disponíveis dois dias depois da votação.

O CNE ‘explicou’ que o sistema foi atacado e por isso aconteceram esses problemas. O link para o relatório da OEA que menciona esse desastre pode ser lido aqui (página 11).

O principal receio na adoção da urna eletrônica no Equador foi que essa tecnologia pode dificultar a detecção de fraude ou erro que altere significativamente o resultado de uma eleição. Métodos tradicionais (papel e caneta) são menos propensos a falhas e ataques de larga escala.

O problema desse hiperfoco nas máquinas de votar é que ele acaba nos deixando míopes para ataques contra o processo eleitoral que acontecem longe dela - como a recusa do presidente de cumprir a regra eleitoral do país.


De longe a tecnologia mais interessante na questão eleitoral do Equador é a independência da função eleitoral com a criação do CNE junto com a proposta de intensa participação popular na definição da sua gestão, coordenada pelo CPCCS.

Já ouvi muita gente comentando de que essa adoção no Brasil seria bem-vinda, já que a criação de uma estrutura independente iria melhorar a administração das nossas eleições.

Na entrevista, Ola e Sara apontaram que, no papel as duas agências CNE e CPCCS são boas adições para a democracia, mas no mundo real foram capturadas por dinâmicas partidárias e refletem as disputas entre os partidos.

Além disso, a eleição atual no Equador mostra que uma corte com menos ‘peso’ pode não conseguir conter os ataques de um autocrata.


A conversa com a autonomia.digital está no YouTube aqui. Inclusive quem tiver dicas de como organizar melhor essas gravações mandem email.

Perdeu os vídeos da conversa com o Professor Norbert na edição sobre a Alemanha? Os dois trechos estão no YouTube aqui e aqui.


Referências e sites consultados para escrever essa edição:

  • Próprio site do CNE. Especialmente as sessões de estatísticas.
  • O site “Equador em cifras” que tem os dados oficiais de população.
  • Para dar uma olhada nas notícias e me preparar pro papo usei principalmente o El País em espanhol e um bom resumo do primeiro turno da eleição no The Guardian.

Identificando eleitores

Olá, Lucas Lago aqui. A votação mais importante desde a última edição foi a do Oscar e Ainda Estou Aqui trouxe pro Brasil o prêmio de melhor filme internacional! Acredito que deveríamos apurar se houve fraude na votação de melhor atriz.

Hoje ostento o meu chapéu de Engenheiro da Computação, pois esta é a primeira edição que vamos falar sobre uma tecnologia e não sobre uma eleição, então vamos aprofundar bastante no assunto.

Eu decidi começar falando de um assunto em que talvez a tecnologia eleitoral brasileira seja uma das mais avançadas do mundo: a identificação de eleitores. Vou focar especialmente na tecnologia de reconhecimento de impressões digitais.


Requisitos conflitantes

Eleições são um desafio tecnológico bastante único, porque, diferente de outras empreitadas, elas possuem requisitos conflitantes e indispensáveis.

Por exemplo, já antes de votar temos o primeiro conflito: identificação vs. anonimato.

Para garantir que cada eleitor votou somente uma vez, precisamos identificar de forma única cada um dos eleitores. Para garantir que cada voto é secreto, não podemos ter nenhuma forma de identificar quem depositou o voto.

Inclusive, no Teste Público de Segurança (TPS) de 2012, um dos planos de ataque era exatamente verificar se era factível identificar eleitores a partir de falhas no algoritmo que embaralhava os votos. Os investigadores mostraram que era sim possível com esforço moderado e a equipe de desenvolvimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) corrigiu a falha em seguida.

Esses requisitos conflitantes são parte do motivo de você vai encontrar tanta gente da área da computação interessada em eleições. A gente adora esse tipo de desafio.

Como identificamos cada eleitor?

O processo de identificação de um eleitor varia de país pra país (e às vezes varia dentro do mesmo país) e as tecnologias utilizadas também variam muito.

No Brasil, passamos por algumas alterações recentes no processo: abolimos a obrigatoriedade do título de eleitor e adicionamos leitura de digitais no processo de identificação.

Atualmente, qualquer documento oficial com foto é suficiente para comprovar a sua identidade no processo eleitoral do Brasil. Isso parece básico para nós brasileiros, mas em outros países nem sempre é assim e o assunto é especialmente espinhoso nos Estados Unidos, onde a obrigatoriedade de documentos é usada como ferramenta de supressão de votos de comunidades marginalizadas.

Por aqui, além da identificação via documento oficial com foto, no dia da eleição é feita a leitura da nossa impressão digital no terminal do mesário. Caso a digital seja corretamente identificada, o mesário habilita a urna eletrônica para que o eleitor registre seu voto. Quando a digital não é reconhecida por 3 vezes, o mesário pode habilitar a urna desde que o eleitor responda corretamente seu ano de nascimento.

Como funciona o reconhecimento da impressão digital?

Quem votou aqui em 2024, colocou o dedo em um leitor de digitais da marca HID, que enviou uma foto preto e branco com uma boa resolução para um algoritmo de reconhecimento de minúcias.

Minúcia é o nome técnico dado para as pequenas variações encontradas na impressão digital, como bifurcações, extremidades, ilhas entre outras pequenas variações.

Ilustração mostrando três tipos de características das impressões digitais. À esquerda, um desenho de uma bifurcação, onde uma linha se divide em duas. No centro, uma representação de uma ilha, destacada com um círculo vermelho, onde um pequeno traço está isolado entre outras linhas. À direita, uma terminação, onde uma linha termina abruptamente. Abaixo de cada ilustração, os rótulos correspondentes: 'Bifurcação', 'Ilha' e 'Terminação'.
Imagens adaptada a partir de imagens desenhadas por Nima Pirzadeh e distribuídas para Wikipedia

Simplificando bastante o processo, ele é dividido em duas partes. Primeiro, um algoritmo que localiza as minúcias na imagem enviada vai mapear o tipo de minúcia e a sua localização em relação à todas as outras minúcias encontradas. Essa informação vai gerar uma massa de dados única.

A segunda parte do processo consiste em comparar essa massa de dados gerada a partir da imagem com todas as impressões digitais já armazenadas anteriormente, levando em conta que o dedo pode estar numa posição diferente, pode ter sido pressionado com mais ou menos força, ou pode ter sido alterado por uma lesão, por exemplo.

Caso o algoritmo encontre uma similaridade entre as minúcias coletadas durante a eleição e as da base, ele confirma a identidade do eleitor.

Vale lembrar que o TSE realizou convênios com diversos órgãos para conseguir montar essa base de dados de digitais.

Por isso, muita gente que nunca cadastrou a biometria para esse fim específico conseguiu ser liberado no terminal do mesário sem problemas. Segundo o TSE, nesses casos a biometria foi “confirmada” durante a eleição.

Na eleição de 2022, as forças armadas decidiram que no teste de integridade (“votação paralela”) era fundamental o uso da identificação por meio de impressões digitais. Uma ótima ideia, porque aproximaria a votação simulada do caso real. Porém, falharam ao recrutar pessoas suficientes para o teste e ele acabou tendo resultados pouco relevantes.


Depois de todo esse trabalho para identificar os eleitores, o esforço seguinte dos sistemas de votação são para garantir que o voto depositado não possa identificar o eleitor.

Antigamente, era só chacoalhar a urna algumas vezes que ninguém mais sabia quem depositou qual voto ali dentro. No caso da urna eletrônica, usamos algoritmos criptográficos para chacoalhar os votos - mas isso comentamos em uma outra edição.


Eleições pra ficarmos de olho em março

  • Como eu disse lá na abertura, a eleição mais importante com resultado agora em março foi o Oscar. E o Brasil finalmente trouxe uma estatueta pra casa!
  • Groenlândia vai ter uma eleição em março que pode ser interessante acompanhar, dado que o território está discutindo a própria independência enquanto é ameaçado de anexação pelo governo dos EUA.
  • As outras eleições nacionais em março tem repercussão menor aqui no Brasil: Tajiquistão (2-mar e 28-mar), Micronésia (4-mar), Belize (12-mar), Curaçao (21-mar) e Togo (28-mar).

Na próxima edição vamos falar da eleição no Equador: como foi o primeiro turno, o que vai rolar no segundo turno em abril e como foi o experimento deles com urnas eletrônicas brasileiras.

Eleição na Alemanha

Olá leitor, nessa newsletter vamos falar da eleição na maior economia da Europa, a Alemanha. É um país com uma cultura política totalmente diferente da brasileira, mas que enfrenta uma radicalização à direita que não nos é estranha.

Primeiro, vamos tirar a quinta série do caminho: o parlamento alemão se chama Bundestag, e a sigla de um dos principais partidos do país é "FDP". Dadas as devidas risadinhas, vamos a news.


Informações gerais

População

83.5 milhões 

Eleitores

59.2 milhões 

Sistema de votação

Representação proporcional mista

Sistema de governo

Parlamentarismo

Próxima eleição

23-fevereiro-2025


Snap Election e o fim da coalizão

No próximo domingo (23-fev) os eleitores alemães vão para às urnas para realizar uma snap election, ou seja, uma eleição fora de época porque a coalizão do governo anterior não conseguiu se sustentar no poder e perdeu um voto de confiança antes da data da eleição oficial (no caso alemão, seria em setembro desse ano).

Diferente de um modelo presidencialista como o brasileiro onde um impeachment é um evento muito traumático, o fim de um governo no sistema parlamentarista é algo mais corriqueiro. No parlamentarismo, o governo acaba quando a coalizão deixa de ter capacidade de governar o país, normalmente sacramentado por um voto de desconfiança. No caso recente, a coalizão Semáforo, liderada pelo chanceler Olaf Scholz, teve a saída do Partido Democrático Livre (FDP) depois de uma crise relacionada ao orçamento federal.

As coalizões no parlamentarismo são uma tecnologia muito interessante, porque elas tanto comunicam a cara do governo pra população de forma eficiente quanto deixam claro os partidos que terão cargos ministeriais. Em entrevista à esta newsletter, o professor Norbert Kersting contou um pouco sobre as alianças tradicionais dos partidos na Alemanha e que, como essas alianças eram muito comuns, elas receberam nomes para facilitar a comunicação.

O partido de Olaf Scholz (Partido Social-Democrata da Alemanha, SPD na sigla em alemão) possui o vermelho como cor principal do seu logo, já o partido FDP a cor amarela. Para completar a coalizão de governo em 2021, se alinharam com os verdes e a coalizão recebeu o nome Semáforo.

Empilhando os logos fica bem óbvio o nome da coalizão.

Como se vota e como se contam votos na Alemanha?

Uma das características mais interessantes do voto na Alemanha é a adoção da “Representação Proporcional Mista” como sistema eleitoral. Isso é diferente da nossa regra “Representação Proporcional” e também é diferente do “Voto Distrital”, usado no Reino Unido e na França, por exemplo.

A cédula de votação alemã (isso mesmo, cédula de papel, já voltamos pra isso) tem 2 colunas: a da esquerda com o nome dos candidatos da sua região e uma segunda, à direita, com todos os partidos, você vota em uma opção pra cada coluna. Os dois votos são para a disputa de cadeiras no Bundestag, o parlamento alemão.

Bundestag é unicameral, só tem uma casa legislativa. E não tem votos para o chefe do executivo, ele é escolhido depois por trâmites internos.

As duas colunas de um distrito na eleição alemã em 2005

Depois da sua escolha, os votos são colocados em um envelope, selados e depositados em uma urna. No final do dia os “mesários” fazem a contagem dos votos da sessão de forma pública e na presença de quem quiser acompanhar, cada pacote de votos é contado por 3 pessoas diferentes e caso os resultados não sejam iguais é conferido adicionando mais alguns mesários.

A Alemanha experimentou o uso de voto eletrônico em 2005, e em 2009 uma decisão da Corte Constitucional Federal considerou inconstitucional o uso de computadores em qualquer etapa da eleição. A decisão sublinha o fato que não houve qualquer evidência de falha ou fraude na eleição que usou as urnas, mas que as urnas não atendiam a necessidade constitucional de que o processo de votação e contagem sejam “verificadas de forma confiável pelo cidadão, sem necessidade de conhecimentos técnicos avançados”.

O professor Kersting comentou também da participação de um famoso grupo de hackers nos debates em torno das máquinas de votar, o “Chaos Computer Club”. Eles foram fundamentais em demonstrar que as máquinas usadas na eleição possuíam fragilidades importantes e que não havia um processo para saná-las.

Com os votos contados, começa a matemática do processo. As primeiras vagas são ocupadas pelos vencedores dos votos da coluna da esquerda - atualmente existem 299 regiões na Alemanha, então as primeiras 299 cadeiras são ocupadas aqui, eles chamam isso de mandato direto.

Para o cálculo das cadeiras relativas aos votos da coluna da direita o processo começa analisando as cláusulas de barreira, todos os partidos com menos de 5% dos votos e que não tenham 3 mandatos diretos não terão espaço no parlamento.

Na última eleição, o partido Linke teve 4.9% dos votos, mas foi salvo da cláusula de barreira por ter exatamente 3 mandatos diretos. Com isso eles conseguiram um total de 39 assentos no parlamento.

Removidos os partidos fora da cláusula de barreira, as cadeiras são distribuídas de forma que o resultado seja o mais próximo da proporção de votos da segunda coluna. Existe um mínimo de 299 cadeiras que serão distribuídas para esses votos, mas pode ser que para garantir que a proporção esteja correta, mais cadeiras sejam criadas. A matemática pra isso é meio maluca, pra quem quiser detalhes do método joga no Google “Método Sainte-Laguë”.

Esse método, apesar de aumentar o número de cadeiras no parlamento, garante que um um partido com 40% dos votos terá aproximadamente 40% dos parlamentares. Em um país que não utiliza esse método, pode ocorrer como na última eleição no Reino Unido onde o partido trabalhista teve cerca de 33% dos votos da população porém ocupa 63% das 650 cadeiras do parlamento.


A tecnologia mais interessante que encontrei pesquisando sobre a eleição na Alemanha realmente foi a ideia de Representação Proporcional Mista, com um parlamento que pode ser um pouco maior para garantir que a distribuição de cadeiras seja proporcional. Talvez valha uma edição só sobre os métodos de distribuição de parlamentares que existem.

No futuro próximo a Alemanha deve seguir sendo governada por uma das coalizões tradicionais com nomes curiosos: tanto a coalizão ‘Kiwi’ quanto a ‘Quênia’ tem chances de serem as próximas coalizões. Mas o maior partido na oposição será pela primeira vez o “Alternativa para Alemanha” (AfD), partido de extrema direita, que recebeu apoio explícito de Elon Musk e é considerado pela própria inteligência alemã como um risco para a democracia.

Uma newsletter sobre voto e tecnologia

Olá, meu nome é Lucas Lago e estou aqui para dizer: bem-vindo à Impressa e Auditável, uma newsletter sobre tecnologia e eleições.


Uma newsletter sobre voto e tecnologia

Nessa primeira edição quero explicar como essa newsletter vai funcionar, quem escreve e vamos definir alguns termos que vão aparecer repetidamente nas próximas edições.

É comum no universo da tecnologia a ilusão de que existe uma grande separação entre Política e Tecnologia. Por isso, e pela temática da newsletter, seria impossível não envolver Política aqui, já que vamos tratar da tecnologia no contexto de voto, eleições e democracia.

Mas apesar da Política ser inescapável, ela não será o foco desta newsletter. Teremos dois tipos de edições: um focado em tecnologias e outro focado nas eleições de um país.

No primeiro tipo vamos discutir tecnologia usando como pano de fundo eleições e, pra isso, vou apresentar e aprofundar em alguma tecnologia que está (ou poderia estar [ou deveria estar]) envolvida em processos eleitorais. Vamos falar de biometria, assinatura digital de software, algoritmos de embaralhamento - e sim, vamos eventualmente chegar nas questões que envolvem o voto impresso.

No segundo tipo vou escrever sobre uma eleição procurando descobrir tecnologias interessantes que ela utiliza e traçar paralelos com as eleições brasileiras. Para isso vou contar com entrevistados (eleitores, pesquisadores, jornalistas) que possuem conhecimento sobre essa eleição e alguns trechos dessas entrevistas estarão na newsletter.


Sobre o autor

Agora que sabem como essa newsletter vai funcionar, um pouco sobre o autor. Sou mestre em Engenharia da Computação, programador, ativista e às vezes até jornalista. Me interesso por tecnologia eleitoral há muito tempo. O primeiro texto que eu tenho publicado sobre o assunto é de setembro de 2018.

Pretendo convencer o leitor que tecnologia eleitoral é um assunto fascinante e com muito mais nuances que o noticiário do dia-a-dia é capaz de mostrar.

Agora vamos aqui às primeiras entradas de um ”glossário” de termos que usaremos por aqui:

Primeiro e mais importante, para os nossos interesses tecnologia não será limitada a processos computacionais ou mecânicos. Vamos adotar uma definição mais ampla que abrange qualquer processo ou técnica utilizada para atingir um objetivo. Nessa newsletter tanto computadores quânticos quanto partidos políticos são soluções tecnológicas.

Vamos diferenciar a "política" de partidos e pessoas que disputam uma eleição ou um projeto de lei, da "Política" que é a relação de poder que existe em uma organização independente da organização específica.

Vamos usar também as definições que Lewis Munford deu no seu livro "Technics and Civilization" de 1932 para tecnologia democrática e tecnologia autoritária. A primeira é uma tecnologia que distribui poder enquanto a segunda é uma tecnologia que o concentra, essa definição não tem relação direta com os conceitos de democracia que usamos para nações.


Duas eleições pra ficarmos de olho em Fevereiro

  • O Equador teve o primeiro turno de sua eleição presidencial em 9 de fevereiro, Daniel Noboa concorre a reeleição depois de um mandato de menos de 2 anos, por conta da dissolução do executivo e legislativo equatorianos no evento da "Muerte Cruzada" e no segundo turno disputará com Luisa Gonzales assim como em 2023. No primeiro turno ambos conseguiram mais de 40% dos votos em uma eleição com 16 candidatos. O segundo turno será em 13 de Abril. O Equador inclusive já usou a urna eletrônica brasileira em uma eleição - mas deixo os detalhes para a edição de Abril, sobre as eleições de lá.
  • A Alemanha renova seu parlamento na eleição do dia 23 de fevereiro. A eleição alemã seria originalmente em setembro, mas com o colapso do governo atual foi convocada uma "Snap Election" para o final de fevereiro. A Alemanha tem provavelmente a legislação mais restritiva do mundo em relação à urnas eletrônicas.

Great! You’ve successfully signed up.

Bem-vindo de volta! Você fez login com sucesso.

Você se inscreveu com sucesso no Impressa e Auditável.

Sucesso! Verifique seu e-mail para obter o link de login.

Sucesso! Suas informações de cobrança foram atualizadas.

Sua cobrança não foi atualizada.