O voto que conta

Uma newsletter quinzenal sobre sistemas de votação e processos eleitorais no mundo

Impressa e Auditável

#11 | E o PT, hein? E o Edinho?

Olá, Lucas Lago aqui. Mais uma edição na qual o assunto principal são os partidos brasileiros. Dessa vez foco é no PT e na eleição do novo presidente nacional do partido.

Por conflitos de agenda, não consegui uma entrevista, mas felizmente pesquisadores publicam suas ideias, então a gente vai conseguir entrar em algumas coisas comentadas pelo entrevistado da edição passada.

Além disso, duas notas rápidas: uma sobre América Latina e outra sobre os EUA.


Quando o voto direto é menos democrático

Normalmente atribuímos o conceito “one person, one vote” como o ápice da representação democrática. Chega a parecer absurda a ideia de que uma decisão onde cada voto teve o mesmo peso, foi feita de forma livre e todos os votos foram computados, possa não ser democrática.

Mas em 1835, o visconde francês Alexis de Tocqueville decidiu estudar a democracia nos Estados Unidos e, apesar de muito animado com os resultados da democracia americana, vislumbrou a possibilidade dela levar ao autoritarismo através da “Tirania da Maioria”.

Quer ver um exemplo cristalino da ideia de como a Tirania da Maioria pode levar a decisões menos democráticas?

Os ex-presidente Jair Bolsonaro sugeriu certa vez que “as minorias têm que se adequar” e que as “as leis existem para proteger as maiorias”, em um contexto onde sugeria a redução dos direitos de homossexuais.

Mesmo que a maioria da população apoie essa ideia, ela é autoritária porque atravessa os direitos de um grupo minoritário.

E o PT, hein?

Nesse último domingo (06.jul) aconteceu o Processo de Eleição Direta (PED) do Partido dos Trabalhadores. Edinho Silva foi eleito com mais de 70% dos votos. Os candidatos de outras 3 tendências foram Rui Falcão (11%), Romênio Pereira (11%) e Valter Pomar (4%).

Dentro do PT, podemos considerar que tendências são equivalentes ao que seriam partidos na eleições gerais. E sim, o partido tem dezenas de tendências internas.

Edinho é da aliança de tendências “Construindo um Novo Brasil” nascida após o escândalo do mensalão, a mesma aliança da qual o presidente Lula faz parte.

Presidente Lula vota em uma urna (que não é eletrônica) nas eleições do último domingo. A estrela torta ali, socorro!

O PED funciona da mesma forma que uma eleição, os filiados votam no representante municipal, estadual e presidente nacional do partido. Essa forma de escolha de dirigentes foi estabelecida em 2001 – junto com outras mudanças que enfraqueceram a base do partido, aumentando o poder da direção nacional.

Apesar do PED ser a expressão máxima da democracia do partido dos trabalhadores, ela não tem a mesma energia vibrante de um Encontro Nacional, que até 2001 era onde as lideranças eram escolhidas. As mudanças trouxeram um verniz de aumento da democracia, mas sem aumento real de poder da base de militantes.

O PT segue caminhando para onde José Dirceu apontou ao dizer que o PT deveria ser um “partido de cidadãos, e não de militantes”. Indicando um afastamento da ideia de ser um partido de tendências e próximo a sociedade civil, para se tornar um partido mais “profissional-eleitoral” focado em ganhar eleições, em vez de desenvolver pensamento de vanguarda.


A eleição pra prefeitura de Nova Iorque

Em 4 de novembro, teremos uma eleição que normalmente é muito protocolar nos Estados Unidos: Nova-iorquinos escolherão o novo prefeito da cidade.

A última vez que um candidato do Partido Republicano venceu por lá foi em 2005, com Michael Bloomberg. Ele foi reeleito em 2009 como independente e, desde então, a cidade só teve prefeituras do Partido Democrata.

A novidade desse ano é o candidato dos democratas e seu impacto na Janela de Overton e nas inúmeras análises sobre quais tecnologias ele usou para sua vitória surpreendente nas primárias: foi o TikTok? Foram as participações em PodcastsÓbvio que não.

De qualquer forma, o debate político nos EUA está concentrado na figura de Zohran Mamdani, jovem, abertamente socialista, descendente de imigrantes.


Duas eleições esquentando na nossa vizinhança

Falando em eleições no segundo semestre, temos duas que já estão esquentando. E a situação das coligações que estão no governo são, no mínimo, interessantes.

No Chile, a comunista Jeanette Jara venceu as primárias nacionais da coalizão de centro-esquerda com 60% dos votos. A direita não realizou processo de primárias e tem, por enquanto, Evelyn Matthei como principal nome. Mas ela ainda não foi oficializada.

Jeanette contará com o apoio do presidente Gabriel Boric, que não pode concorrer, já que reeleições não são permitidas no país andino. O problema é que o apoio ao governo caiu vertiginosamente desde a eleição e atualmente está em 21%.

Na Bolívia, o partido governista “Movimiento al Socialismo - MAS” poderia colocar como candidato a eleição o presidente Luis Arce. Essa candidatura sofreu oposição interna de Evo Morales, nome histórico do partido e presidente do país por mais de uma década, que tentava viabilizar sua própria candidatura (proibida pela constituição boliviana, que só permite uma reeleição. Evo foi reeleito duas vezes).

A disputa Evo-Arce levou a saída de Evo do partido, seguida da sua candidatura por um partido menor (Frente Para la Victoria - FPV) que foi prontamente cancelada pela autoridade eleitoral, levando manifestantes pró-Evo às ruas. Arce desistiu da candidatura e o MAS concorrerá com o jovem Eduardo del Castillo, que foi Ministro de Governo (cargo responsável por regular as políticas públicas do país) no governo Arce.

A direita boliviana tem boas chances com os candidatos Doria Medina (atualmente liderando as pesquisas com 19% das intenções de votos) ou com o ex-presidente Jorge Quiroga (atualmente em segundo, com 16%). Eduardo, mesmo com apoio do governo, registra pouco mais de 1% das intenções de votos (mas deve crescer com o início da campanha).


Ainda não tenho tema para a newsletter da semana que vem. Mas sei que será sobre algum detalhe tecnológico dos processos eleitorais. Se tiver alguma sugestão, responde esse e-mail!

#10 | A organização interna dos partidos políticos

Olá, Lucas Lago aqui. Esta semana seria esperada uma edição falando de alguma eleição interessante mundo afora. Mas como fizemos isso em 3 edições seguidas (Austrália, Romênia e México), me dei o direito de escrever duas seguidas sobre tecnologias. Nesta quinta vamos falar sobre Partidos Políticos.

Antes que as pedras voem, lembrem da definição de tecnologia da primeira edição: “qualquer processo ou técnica utilizada para atingir um objetivo”. Partidos Políticos definitivamente entram nessa definição.

Para não decepcionar vocês totalmente, trago uma entrevista com o Doutor Luís Locatelli, que pesquisa partidos políticos desde a sua graduação na UFScar até seu doutorado na FGV. Vale a pena ver na íntegra. O Luís manja muito.


O que é um partido político? São essenciais para democracias?

O Brasil tem 29 partidos políticos registrados no TSE. Vão desde os maiores e antagonistas PT e PL, até siglas que eu aprendi enquanto pesquisava para essa edição, como o AGIR (se ajudar: é o antigo Partido Trabalhista Cristão) e o MOBILIZA (a sigla antiga é PMN de Partido da Mobilização Nacional).

Colagem retirada do site da câmara com toda a diversidade de siglas, logos e cores dos partidos brasileiros.

Mais do que isso, se vocês olharem nas listas da Wikipedia, vão ver que partidos políticos são uma das tecnologias mais disseminadas nos processos eleitorais. As nações onde partidos não têm participação relevante na política se dividem em 3 categorias: governos autoritários (Arábia Saudita, Belarus etc), países muito pequenos (Nauru, Ilhas Marshall etc) e o Vaticano.

Os outros países têm pelo menos 1 partido atuando na política. Inclusive os cientistas políticos classificam os países nos seguintes sistemas partidários:

  1. Sistema unipartidário

  1. Sistema de partido dominante

  1. Sistema
    bipartidário

  1. Sistema de dois partidos e meio*

  1. Sistema multipartidário

  1. Sistema não partidário

Chuck Lorre ganharia com facilidade nesse sistema

Eu fiz pro Luís a pergunta inicial “o que é um partido?”, e ele explicou que uma definição mínima é “uma organização que disputa eleições”. Acho que podemos até expandir para “uma organização que disputa o poder político”, pois aí conseguimos adicionar partidos que se organizam em lugares não democráticos e sem eleições.

A segunda curiosidade que eu tinha era entender se partido político era igual ketchup na pizza, quanto mais melhor. O Luís explicou que os autores divergem nesse ponto e que depende inclusive da definição de democracia deles.

Mas duas vertentes se destacam: democracias de consenso e democracias majoritárias. No primeiro caso, os autores valorizam o fato que um maior número de partidos possibilita um debate mais amplo e mais rico, permitindo que as soluções sejam melhores. Essa multiplicidade, porém, só traz benefícios para a democracia se cada um deles representa de fato um grupo social e interesses legítimos.

Já no caso dos autores que defendem que democracias majoritárias são mais democráticas, eles apontam o fato que a multiplicidade de partidos dilui o poder e a sua capacidade de governar. O Luís comenta inclusive que a tendência para o bipartidarismo nesse caso se espelha no conflito entre capital e trabalho (conservadores e trabalhistas).

No caso do nosso Brasil, Luís acredita que a multiplicidade de partidos foi gerada pela abertura pós ditadura, e que o processo de redução do número de partidos foi gerado pelas mudanças legislativas no processo, incluindo a cláusula de desempenho que penaliza partidos que não conseguem eleger muitos representantes.

O preocupante é que o Brasil está se concentrando em duas forças num momento onde uma delas é muito pouco democrática e a outra é menos democrática do que já foi.

Diretórios, comissões provisórias e democracia nos partidos

Já concluímos que os partidos são essenciais para a democracia e eu acredito que a organização interna de cada partido vai refletir na contribuição que ele trará para o espaço democrático brasileiro.

O Luís me ensinou sobre dois elementos que desconhecia até então: os diretórios e as comissões provisórias. O primeiro é a organização local (pode ser municipal ou estadual) do partido com uma administração eleita pelos membros do partido daquele local. Já na comissão provisória a administração é nomeada por um membro de uma instância superior do partido.

Os dois partidos que polarizaram a eleição para presidência em 2022 estão também em lados opostos no eixo de quão democrática é sua organização interna. De um lado o PT é um dos partidos com mais diretórios, por exemplo tem 424 diretórios no Estado de São Paulo entre suas quase 500 representações, do outro o PL é um partido que se organiza majoritariamente por órgãos provisórios e não tem nenhum diretório entre suas 250 representações em São Paulo.

Ou seja, no PL o Valdemar da Costa Neto tem total poder para alterar a organização de comissões que estejam de alguma forma antagonizando os seus esforços. Enquanto no PT, a mesa do diretório é eleita e cumpre um mandato e está de certa forma protegida de pressões das lideranças nacionais.

Mas, apesar de ser uma organização mais democrática que o PL, existe uma regressão democrática no PT. E o seu Processo Eleitoral Direto (PED) é parte dessa regressão.

Vamos entrar nos meandros do PED e democracia interna do PT na edição de 10.jul.

BREAKING NEWS! Votos desviados nos EUA

Notícia fresquinha desta quarta, 25.jun. Um juiz da suprema corte de Nova Iorque aceitou um pedido do grupo SMART para abrir uma recontagem de votos em um distrito da cidade.

A recontagem vai acontecer porque existem discrepâncias relevantes nos resultados. No distrito onde a candidata para o senado democrata recebeu 331 votos, a candidata Kamala Harris recebeu zero votos. Além disso, o grupo coletou depoimentos assinados de 9 eleitores do distrito que confirmam ter votado na candidata Harris.

A próxima data importante nesse caso é 22.set, quando as partes serão ouvidas na corte. Até lá tem bastante tempo pra fomentar teorias da conspiração.

Não existem expectativas de uma reversão do resultado eleitoral, mas a investigação pode impactar a confiança do eleitor no sistema americano.


Recados finais

Queria agradecer todo mundo que lê e compartilha a newsletter. Quem quiser entrar em contato comigo pra sugerir pautas, adicionar informações ou bater papo pode responder esse e-mail ou seguir lá no BlueSky.

Na próxima edição vamos falar da eleição interna ao Partido dos Trabalhadores, com foco principalmente nessa mudança pontuada pelo Luís da democracia direta.

#09 | Giro eleitoral e algoritmo GUARANA

Olá, Lucas Lago aqui. Começo com uma rodada de resultados eleitorais das últimas semanas. Teve bastante eleição além das que consegui mencionar aqui na newsletter.

Além disso, finalmente vou falar de alguma tecnologia, sem um entrevistado, mas com mais links e fontes. Vamos falar um pouco da arquitetura de chaves da urna eletrônica e do algoritmo GUARANA, desenvolvido pela ABIN.

Vamos usar como base um artigo muito interessante dos anais do Workshop de Tecnologias Eleitorais da SBSEG, de 2019, escrito por servidores do TSE.


Atualização de resultados

Vamos a um pequeno apanhado de resultados eleitorais das últimas semanas, incluindo eleições mencionadas aqui e eleições que não foram citadas nas últimas edições*.

Em Portugal, em 18 de maio, tivemos a eleição antecipada. O candidato do partido que havia sido derrubado do governo venceu. Houve um crescimento significante do “Chega”, da direita eurocética, e uma queda do Partido Socialista.

No mesmo domingo tivemos o segundo turno da Romênia. Em uma edição nossa de maio comentamos da ampla vantagem do candidato Simion, de extrema-direita, para o segundo turno. Mas ele perdeu. A presidência ficou com o Nicușor Dan, de direita, que teve mais de 53% dos votos.

Em 25 de maio tivemos duas eleições parlamentares em nossa região: Suriname e Venezuela. No Suriname, onde todos os partidos relevantes são de (centro-)esquerda, venceu o Partido Democrático Nacional, sem grandes emoções e reviravoltas.

Já na Venezuela, tivemos bastante coisa rolando. Primeiro que alguns partidos de oposição (à direita e à esquerda) boicotaram a eleição e pediram para os eleitores faltarem às urnas. O órgão eleitoral afirma que ainda assim 42% dos eleitores participaram do pleito, mas a oposição contesta essa informação.

Além disso, nessa eleição foram disputadas cadeiras no parlamento representando Esequiboregião disputada entre Venezuela e a Guiana. O governo guianense alertou que os cidadãos que votassem na eleição poderiam ser julgados por traição. A situação lá é bastante complicada e o Brasil mandou tropas ano passado até a fronteira para acompanhar a crise.

Ainda falando de América Latina, a eleição para o judiciário do México (tema da nossa mais recente edição) teve uma participação de 13% da população – o que deve minar a legitimidade de todos os julgamentos no país por alguns anos. Vamos ver como o governo mexicano vai lidar com todos os impactos desse fiasco.

E em 3 de junho, em plena terça-feira, a Coréia do Sul realizou sua eleição antecipada, já que o presidente Yoon Suk Yeol anterior falhou na tentativa de dar um golpe de estado. O deputado Lee Jae-myung, que sofreu uma tentativa de assassinato no início de 2024, foi eleito presidente. O vídeo dele no dia da tentativa de golpe de estado é bem legal.

Esquisito como a política brasileira e coreana são escritas pelo mesmo roteirista. Acompanha comigo:

1. Uma presidenta sofreu impeachment depois de um escândalo envolvendo grandes empresas nacionais.

2. Yoon Suk Yeol era conhecido pelo combate a corrupção e pela condenação ex-presidentes antes de se lançar à política.

3. Lee Jae-myung sofreu tentativa de homicídio com uma faca em um evento público, depois foi eleito presidente.

Falta criatividade em um dos dois países.

A grande polarização na Coréia do Sul é em relação ao tratamento dado ao vizinho ao norte. O antigo presidente tinha políticas mais rígidas e agressivas, o novo presidente parece ser mais conciliador.


Algoritmos de Estado, criptografia nas urnas e o GUARANA

Essa vai ser a primeira edição que vou comentar sobre a urna eletrônica de fato. Não que estivesse evitando, mas outras pautas pareceram mais interessantes.

Inclusive, ao conversar com um pesquisador da história da Venezuela, ele sugeriu que o foco no desenvolvimento de urnas seguras por Hugo Chaves foi para ofuscar abusos em outras áreas do processo eleitoral. Independente das acusações de abuso serem reais, o que me chamou a atenção foi a ideia de usar o foco nas urnas para suprimir discussões de outras fraudes.

O artigo “Protegendo o sistema operacional e chaves criptográficas numa urna eletrônica do tipo T-DRE”, escrito por parte da equipe de desenvolvimento da urna em 2019, apresenta a arquitetura de segurança do modelo de urna que seria usado a partir de 2020. Essa arquitetura ainda é a usada.

Citando aqui um trecho:

As funções de cifração são: AES, GUARANA1 e uma implementação do algoritmo assimétrico ECIES (baseado em curvas elípticas - EC), similar aos padrões mostrados em [Martínez et al. 2010].

Usa-se EC com curvas P521 [NIST 2009, Certicom 2000], AES, HMAC com SHA-512, à exceção da função de derivação de chaves, que usa a CKDF.

Ignorando a sopa de letrinhas por um instante, foco naquele 1 sobrescrito que indica que temos uma nota de rodapé. Ela diz o seguinte:

1 Algoritmo de Estado desenvolvido pelo CEPESC/Abin.

Um dos conceitos básicos do desenvolvimento seguro de software é evitar ao máximo a dependência de “algoritmos secretos” no desenvolvimento de sistemas seguros. Chamamos essa vulnerabilidade de segurança por obscuridade.

Seria leviano apontar que o mero fato da função GUARANA ser um algoritmo secreto do Estado brasileiro possa ser uma vulnerabilidade, mas todo mundo que trabalha com segurança desde a Grande Exibição de 1851 fica com a pulga atrás da orelha com essa opacidade.

Arte retratando a grande exibição de 1851. Retirada do site www.bie-paris.org

Foi nesse evento que o chaveiro Alfred Charles Hobbs apresentou para o mundo as falhas de diversos cadeados da época, e quando questionado sobre divulgar as vulnerabilidades disse:

“Pessoas desonestas são muito profissionais e já sabem muito mais do que poderíamos ensiná-los.”

A ideia de Hobbs, atualizada depois no ‘Princípio de Kerckhoffs’ e que ainda rege as boas práticas de segurança é que um sistema criptográfico não pode requerer sigilo, e com isso grande parte dos sistemas de segurança são publicados e revisados por especialistas (incluindo código-fonte de referência).

Olhando novamente pra sopa de letrinhas lá do artigo, sabemos exatamente como funcionam: o AES, o HMAC, várias versões do SHA. Mas não sabemos o funcionamento detalhado do GUARANA.

Muito se fala dos segredos da receita da Coca-Cola, mas o maior risco é não sabermos detalhes sobre o GUARANA.


Recados finais

* Essa newsletter nunca teve como objetivo cobrir todas as eleições, nem escolher as mais importantes/relevantes. A escolha da eleição é feita mais pelo quanto eu acho que a história que eu vou contar é interessante do que pela relevância daquele pleito de fato.

E, como sempre, compartilhem com os amigos! Façam mais gente se inscrever. Em julho teremos poucas eleições, mas o segundo semestre vem quente.

#08 | A primeira eleição para juízes do México

Olá, Lucas Lago aqui. Nessa semana temos eleição para cargos do judiciário no México, uma novidade no país Norte Americano. Falamos sobre o assunto com Alejandro Martín del Campo, professor do Tecnológico de Monterrey, na intersecção entre comunicação e tecnologia, no estado mexicano de Nuevo León, no nordeste do país.

Me senti na obrigação de comentar a eleição pra prefeitura de uma pequena cidade nas Filipinas. Deixo essa isca pra mais gente ler até o final.

Aproveito o espaço para divulgar a chamada de trabalhos pro Workshop de Tecnologia Eleitoral, do Simpósio Brasileiro de Cibersegurança. Quer saber o que está na vanguarda da tecnologia eleitoral? Só ir pra Foz do Iguaçu em setembro.


Eleição, loteria e concurso – como escolher um funcionário público?

Esse domingo o México vai às urnas para trocar metade dos juízes do país, incluindo membros da suprema corte. O processo não é muito complicado, mas, segundo Martín, não houve tempo hábil pra revisar os candidatos.

Até hoje, os juízes no México eram selecionados por um processo similar ao brasileiro: concurso público com várias etapas e diferentes tipos de provas. Um processo que tem por objetivo avaliar a compreensão dos juízes da legislação mexicana.

Eu e Martín já fomos professores. E todo mundo que já foi professor sabe que provas escritas são um instrumento super limitado de avaliação de conhecimento.

Não estou mais dando aula, então não sei se hoje em dia estão usando muito provas escritas nas avaliações de estudantes aqui no Brasil. Mas como Gilmar Mendes, acredito que o sistema de escolha de servidores públicos não funciona muito no Brasil.

Devido a enorme quantidade de candidatos que pretenderam participar da eleição desse fim de semana (incluindo advogados que trabalham para cartéis) foi necessário um processo para remover alguns deles.

Então eles organizaram uma loteria com os candidatos. Isso mesmo. Loteria com bolinhas numeradas sendo sorteadas e cantadas por uma pessoa. Assistindo ao vídeo, fui transportado para quermesses de igrejinhas do interior com padres fazendo bingo para sortear prendas.

Apesar de ser pouco usado hoje em dia (com a importante exceção do processo de formação de júri), esse tipo de sorteio é parte integral da história da democracia.

Sorteio por loteria era o principal método de escolha de políticos na democracia ateniense. Sorteio tem a grande vantagem de garantir representatividade – e evita, ao mesmo tempo, o elitismo do concurso público e o populismo das eleições.

A ideia de combinar uma loteria e eleição para os candidatos, acredito ser inédita (se alguém souber onde já usaram, me avisem). Eu, particularmente, acredito que combinar os processos de loteria e concurso público seria melhor.

O grande desafio agora, é saber se esses juízes eleitos terão legitimidade perante a população. Martín acredita que somente cerca de 10% dos mexicanos aptos irão votar. Mesmo a maioria aprovando a alteração.

Uma última nota sobre o assunto. O projeto do antigo presidente Andrés Manuel López Obrador e continuado por sua sucessora Claudia Sheinbaum, é desenvolvido como uma resposta ao poder dos cartéis no país. Achei uma solução que parece mais uma atitude populista de extrema-direita que algo que presidentes de esquerda estariam fazendo.

Duterte eleito diretamente de sua cela europeia

A cidade de Davao, nas Filipinas, elegeu nesse mês Rodrigo Duterte (ex-presidente do país) para a prefeitura. Não seria digno de nota não fosse o fato de que Duterte está atualmente com endereço fixo em Haia, onde fica a cela de sua prisão.

Ele ainda aguarda o seu julgamento, por conta da sua falida política de guerra às drogas, que levou à morte mais de 30 mil filipinos, com acusações de policiais sendo pagos até 50 mil reais por pessoa morta. Lembro dessa história de quando o governo brasileiro tentou interceder por uma brasileira condenada à pena de morte.


Notinhas finais

Essa edição ficou um pouco mais enxuta que o normal. Essa semana estou participando do FIB e isso acabou afetando a produção do texto.

Na próxima edição acredito que finalmente falaremos de uma tecnologia.

#07 | Giro eleitoral europeu: Portugal, Romênia e Vaticano

Olá, Lucas Lago aqui. Mais três eleições pra falar essa semana. Nessa edição vou passar por 3 países: Portugal, Romênia e Vaticano.

O conclave aconteceu sem muitas questões e o novo Papa é o Leão XIV, mas ainda acho que podemos falar um pouco. As outras duas acontecem nesse domingo, 18.mai.

entrevista dessa edição é sobre a Romênia. O entrevistado é diretor executivo de uma ONG que defende direitos digitais no país incluindo diversos projetos juntos com a União Europeia: Bogdan Manoela.


Informações gerais - Romênia

População

19 milhões

Eleitores

14,5 milhões

Sistema de votação

Voto direto, com dois turnos

Sistema de governo

Semi-presidencialismo

Próxima eleição

18.mai.25


Conclave – só Deus pra auditar

O conclave, assim como outras eleições indiretas, tem participação de poucas pessoas (133 cardeais, nesse ano) e com isso tem regras muito diferentes de uma eleição popular.

Por ser um processo que se repete a quase mil anos, ele é cheio de tradições, a maioria não serve como paralelo para eleições de outros lugares, mas uma delas é bastante útil: a tal da fumaça preta/branca.

Primeiro a resposta sobre a feitiçaria das fumaças terem cores tão prenunciadas: o Vaticano mistura componentes químicos específicos, como lactose, para conseguir a paleta certa pro chá revelação do novo papa.

Isso garante que quando acontece a queima das cédulas eleitorais a fumaça tem exatamente a cor que se espera.

O processo de escrutínio dos votos no conclave é bem simples: 3 cardeais olham cada voto, escrevem o nome em uma lista. No fim do processo os cardeais interessados conferem e passam cada voto por uma agulha com uma linha vermelha.

Essa história de linha e agulha me lembrou do mito das moiras e o fio da vida (a obra chama “fio dourado”, do pintor John Melhuish Strudwick, de 1885)

Após a conferência e anúncio dos resultados para os outros cardeais os votos são incinerados. Nada de resultados públicos, nada de atas eleitorais. Só conseguimos algumas informações por meio de uns cardeais abençoados com o dom da fofoca.

Meio que tudo tranquilo lá na Faixa dos Gajos

Nesse domingo (18-maio) acontece a eleição para a câmara em Portugal. Ano passado teve eleição, mas o primeiro-ministro Luis Montenegro caiu no começo de 2025 por conta de conflitos de interesses da sua empresa.

O governo lá é parlamentarista, e o método de cálculo de votos é similar ao da Alemanha. Preciso separar uma edição só pra explicar os diferentes métodos de quocientes eleitorais – tem pra todos os gostos.

Passada a turbulência inicial que levou ao fim do governo do Luis Montenegro, não temos grandes acontecimentos na eleição portuguesa. Inclusive a mesma coalizão (AD, de centro direita) deve ser a vencedora.

A única notícia que repercutiu desses dias que antecedem o pleito foi que o candidato do partido populista de direita ‘Chega’ André Ventura, passou mal ao beber um copo de água e foi internado.

Eleições canceladas por conta do TikTok na Romênia

Essa edição está saindo entre os dois turnos da eleição presidencial romena. O segundo turno que acontece nesse domingo deve definir o presidente do país, governado por interinos pelos últimos meses.

O motivo é que a eleição presidencial aconteceria no final de 2024, porém o aquele pleito foi cancelado pelo judiciário, por conta de levantamentos da inteligência romena, que mostraram que tanto TikTok quanto Telegram foram inundados por propaganda pró Călin Georgescu (candidato independente, de extrema-direita), financiadas por atores russos.

Georgescu havia recebido pouco mais de 20% dos votos e iria pro segundo turno contra Elena Lasconi, de centro-direita. Nessa nova eleição ele teve sua candidatura indeferida e Lasconi ficou com menos de 3% dos votos.

Segundo nosso entrevistado Bogdan, o candidato George Simion (do partido AUR [Aliança para a União dos Romenos], também de extrema-direita, e que havia amargado a quarta posição em 2024) se posicionou como herdeiro dos votos de Georgescu, que saiu do AUR em 2022.

Com isso, Simion conseguiu mais de 40% dos votos e vai com ampla vantagem para o segundo turno - disputando contra Nicușor Dan (também independente, de centro-direita) atual prefeito da capital Bucareste.

Duas coisas chamam a atenção no processo eleitoral da Romênia: a primeira, que ser de um partido (tradicional ou recém criado) é quase uma chaga para um candidato majoritário, algo que Bogdan imagina refletir uma desconfiança na política institucional.

A segunda é a incapacidade dos organizadores dos processos eleitorais de lidar com o impacto das redes sociais. Chegar ao extremo de ter que cancelar uma eleição por conta de contas artificiais no TikTok e Telegram, mostra que o país não tinha nenhuma ferramenta para mitigar o impacto. Aqui no Brasil tentamos em 2022 fazer acordos com as redes sociais, exigindo diversos compromissos das empresas.

Vamos seguir acompanhando para saber qual candidato de direita será o presidente da Romênia pelos próximos anos. O primeiro candidato que não é de direita ficou em quarto lugar na eleição desse ano, com 13% dos votos – e ele se descreve como centrista.


Resultados na Austrália e recadinho final

Na edição sobre a eleição na Austrália eu mencionei que sabíamos que a vitória seria ou de trabalhistas ou de liberais. Naquele momento as pesquisas indicavam uma indefinição com qualquer lado podendo levar.

No fim das contas o partido trabalhista obliterou* os liberais e seguirá por mais 3 anos no governo.

* Escolhi esse adjetivo em homenagem ao Sérgio Spagnuolo, que é um dos fundadores aqui do Núcleo e escreve a newsletter Appetrecho, sobre aplicativos. Vale conferir.

#06 | Eleição na Austrália

Olá, Lucas Lago aqui. Estava esperando uma edição focada em tecnologia, né? Mas tem muita eleição com informações interessantes –focaremos em tecnologia quando tivermos uma folga.

Hoje vamos falar da Austrália, o país que definiu o voto secreto moderno. Vou aproveitar para dar uma atualizada sobre o que falei nesta newsletter sobre a decisão executiva do Donald Trump e os resultados da eleição do Canadá.

Na entrevista dessa edição, trouxe o Piers Gooding, um colega australiano que faz parte, assim como eu, da Public Interest Technology Network, um grupo de pessoas que receberam bolsas para estudar tecnologia e depois se juntou para continuar se apoiando. Além dele, troquei alguns e-mails com o professor Kurt Sengul, que pesquisa o uso do humor por grupos políticos.

No final, uma atualização sobre a ideia do Trump de alterar o processo eleitoral nos Estados Unidos. Pensei em escrever sobre o Conclave que inicia agora em Maio, mas já fizeram até filme, então ainda não me decidi.

Você deve ter percebi que por causa do feriado esta edição chegou na sexta em vez de quinta, nosso dia padrão para a Impressa e Auditável. Deixo o deixo o link para fancan kwaii da urna eletrônica como agradecimento pela paciência.


Informações gerais - Austrália

População

27.8 milhões

Eleitores

18.1 milhões

Sistema de votação

Votação preferencial

Sistema de governo

Parlamentarismo

Próxima eleição

03.mai.25


A óbvia disputa política nas urnas

A Austrália é uma das antigas colônias inglesas e, assim como comentei do Canadá na edição passada, tem seu cenário político dividido entre trabalhistas e liberais. E, infelizmente, não temos um partido rinoceronte por lá.

O professor Kurt comentou comigo que os partidos menores vem crescendo e atualmente chegam a atrair 30% dos votos. Mas as pesquisas indicam que o próximo governo ficará com um dos dois partidos tradicionais mesmo.

O eleitor na Austrália não faz um X no nome do seu candidato na cédula. O sistema de votos deles é chamado de preferencial –nele você faz um ranking dos candidatos da sua região, colocando o número 1 na sua primeira opção, 2 na segunda, etc.

Na hora da contagem, o processo é o seguinte: primeiro, conta-se todos as vezes que cada candidato foi escolhido como 1ª opção, caso algum candidato consiga maioria dos votos ele está eleito por aquele distrito. No caso de ninguém ter maioria, o candidato com menos votos é removido da disputa e as cédulas dele são redistribuídas para os candidatos que foram escolhidos como segunda opção. O processo é repetido até algum candidato obter maioria simples dos votos.

Quando eu vi achei meio complicado, mas a ideia de poder escolher um “segundo” candidato caso o primeiro vá mal é bem atrativa. Principalmente para ajudar eleitores de pequenos partidos a marcar posição (o partido nacionalista de direita reforça isso na sua campanha).

O ‘voto australiano’

Normalmente quando pensamos em nações que definiram o que chamamos de democracia listamos os de sempre: Grécia, França e Estados Unidos. Mas a Austrália é responsável por uma contribuição que é um dos fundamentos de toda democracia moderna: o voto secreto.

Cabine de votação em 1989, no Brasil, patrocinada por marca de cerveja.

No final do século XIX, a Austrália foi o primeiro país a implantar o voto secreto, ainda antes de garantir o voto para mulheres ou populações originárias. Desde então, o voto secreto ficou conhecido como “voto australiano”.

Alguns anos mais tarde, a Austrália também seria pioneira na possibilidade de mulheres concorrerem a cargos eletivos.

Todos esses movimentos são parte de um esforço australiano (ainda colônia Britânica) de garantir maior representatividade nas eleições. Como grande parte da população trabalhava na mineração no interior do país, facilitar e diversificar o voto era uma forma de enfraquecer o poder do colonizador.

Na Austrália é possível votar duas vezes

Pegando o gancho da facilidade em votar, pedi pro Piers investigar uma coisa antes da nossa entrevista. As minhas pesquisas indicavam que era possível votar duas vezes em uma eleição.

Parece um absurdo, mas a ideia é que na Austrália a possibilidade de votar é facilitada. Ao chegar na sua sessão eleitoral, você informa seus dados, assina uma lista e vai para a cabine votar.

Não tem necessidade de documento com foto, não tem lista de nomes que podem votar naquela sessão, não tem livro com todos os nomes já impressos pra assinar e destacar o comprovante. Você escreve seu nome na lista.

Caso a Comissão Australiana Eleitoral encontre votos duplicados, os usuários são notificados e podem explicar o que ocorreu. Caso não consigam existem algumas punições previstas. Como os votos eram secretos, não existe possibilidade de remoção ou recontagem.


Justiça bloqueia parte das alterações propostas por Trump

Como eu havia adiantado na edição sobre as propostas de alteração no processo eleitoral feitas pela Casa Branca, a ordem executiva parecia ir contra pontos importantes da constituição.

No dia 24 de abril, a primeira decisão suspendendo parte das alterações propostas por Trump foi dada por um juiz do Distrito de Columbia. A decisão se baseia no fato que a ordem executiva do Trump afetava comissões independentes, as obrigando a alterar suas regras.

Acompanharemos os próximos capítulos dessa disputa.


Resultados do partido Rinoceronte no Canadá

Nosso convidado da edição passada, Sebastién CoRhino, recebeu 31 votos em seu distrito e não será um dos representantes no parlamento canadense. Mas a campanha do partido contra o líder do partido conservador deu resultado, a vitória do distrito foi para o candidato liberal.

O primeiro ministro continuará sendo do partido liberal, que conseguiu 169 assentos no parlamento, 3 a menos do que necessitava para ter a maioria. O governo vai precisar precisar de negociações para tentar o apoio de outros partidos do parlamento. As possibilidades são: o Bloco Quebequense (22 parlamentares), O NDP (Novo Partido Democrata, 7 parlamentares) ou os verdes (1 parlamentar).

Alguns recadinhos, finais como sempre:

  • Não deixem de assistir a entrevista. O Piers entra em vários detalhes legais sobre as eleições.
  • Já conhecem a Polígono? Newsletter de divulgação científica do Núcleo, escrita pela Chloé Pinheiro e pela Meghie Rodrigues!

#05 | As lições do partido Rinoceronte no Canadá

Olá, Lucas Lago aqui. Para preparar essa newsletter eu conversei com o candidato e antigo líder (2014 a 2024) do partido canadense “Rhinoceros Party”, Sébastien CôRhino.

É um partido criado como forma de protesto bem humorado, mas que acaba se tornando uma ótima lente para observar o sistema eleitoral e a política canadense.

No final da newsletter tem uma atualização sobre a eleição no Equador. Para surpresa de ninguém, o candidato que ignorava as regras parece ter ignorado as regras.


Informações gerais - Canadá

População

41 milhões

Eleitores

27,6 milhões

Sistema de votação

Distrital com maioria simples

Sistema de governo

Parlamentarista

Próxima eleição

28.abr.25


A criação do partido Rinoceronte

Diferente das outras edições, conversei dessa vez com um membro de um partido. Logo, o conteúdo será enviesado.

Partido Rinoceronte do Canadá foi fundado em 1963 por Jacques Ferron, como um “partido de guerrilha intelectual”. O partido tem em seu plano de governo ideias que vão do completo absurdo à crítica regada a ironia:

  • Reduzir o número de acidentes de trabalho enrolando os trabalhadores em plástico bolha;
  • Abrir paraísos fiscais nas diversas cidades do país para ‘fazer com que o dinheiro estrangeiro seja local’;
  • Terminar o projeto de privatização do Senado, iniciado nos governos anteriores.
O nome “Rhinoceros Party” foi dado em homenagem à rinoceronte Cacareco, do zoológico do Rio de Janeiro. Cacareco foi eleita para a câmara dos vereadores de São Paulo com 100 mil votos em 1959.

Na última eleição, Cacareco seria a 8ª mais votada e teria cadeira garantida na câmara.

O Canadá possui muitos partidos que são de nicho, como o Bloco Quebequense –que defende somente interesses de uma província, ou de protesto. Além do Partido Rinoceronte, existe o partido Marijuana, com a óbvia pauta de legalizar a maconha.

Sebastién me explicou que para criar e manter um partido no Canadá são necessárias as assinaturas de somente duzentas e cinquenta pessoas elegíveis no país. Aqui no Brasil, em contraste, são cerca de 500 mil assinaturas.

Além dessa facilidade de montar partidos, é possível concorrer no Canadá como “independente”, sem apoio de nenhum partido.

A maior cédula eleitoral do mundo e outras presepadas dos rinocerontes

É visível o esforço do “Elections Canada”, o órgão organizador das eleições, em democratizar a participação dos canadenses. Criar um partido é simples, e além disso é possível ser candidato sem partido.

O Partido Rinoceronte, por ser um partido de protesto, acaba estressando diversos pontos da legislação eleitoral canadense. Na sua fundação nomearam um rinoceronte como líder do partido, que se manteve por décadas como líder até que o órgão responsável exigisse que o líder fosse um ser humano com capacidade de ser eleito.

Décadas depois, o partido cadastrou 2 candidatos no mesmo distrito. E, nos debates, os dois faziam questão de discordar 100% um do outro, o que também levou a ajustes na legislação.

É fácil olhar para essas fanfarronices como algo sem valor, mas é o tipo de ação que escancara o caráter performático dos diferentes elementos de um processo eleitoral.

Em 2019, já sob o comando de Sebastién, o partido trabalhou para agregar o maior número de candidatos em um distrito eleitoral. Como no Canadá a cédula deve conter o nome de todos os candidatos, a Elections Canada, foi obrigada a ditribuir cédulas com 91 nomes para um distrito da capital da província de Sascachevão.

Sebastién posa ao lado de um modelo da maior cédula eleitoral do mundo durante a entrevista.

O inescapável bipartidarismo nas colônias inglesas

Apesar das ideias cativantes do Partido Rinoceronte, tudo indica que nessas próximas eleições as duas maiores bancadas serão dos mesmo partidos de sempre: o Partido Liberal do Canadá (partido do Justin Trudeau e do Mark Carney, e que atualmente possui maioria) e o Partido Conservador do Canadá.

No início da corrida eleitoral o partido conservador apresentava uma vantagem e poderia ser o vencedor, mas os 90 dias do governo Trump mudaram esse cenário. Segundo o agregador de pesquisas 338canada.com, atualmente é mais provável que o partido liberal amplie a maioria dos assentos e Mark Carney siga como primeiro ministro.


Atualizações sobre a eleição no Equador

Na mais recente edição sobre uma eleição específica, falei sobre o pleito no nosso vizinho. A eleição ocorreu no domingo (13 de abril) e o resultado anunciado pelo Consejo Nacional Electoral foi de uma vitória folgada de Daniel Noboa, com cerca de 56% dos votos.

Diferente do caso da Venezuela, o resultado não foi questionado pelos observadores internacionais até o momento. Tudo indica que o Brasil vai acompanhar a posição dos observadores –já Gustavo Petro, da Colômbia, se posicionou contra.

Estão circulando nas redes sociais fotos de atas eleitorais que aparentam estar sem as devidas assinaturas, algo que levanta suspeitas sobre a lisura do processo.

Porém não é preciso entrar nesses detalhes para avaliar se houve lisura no processo eleitoral do Equador. O atual presidente, Daniel Noboa, repetidamente desrespeitou a legislação do país, pagou milhões em auxílios fora de época e no dia do segundo turno colocou quase todo o país sob estado de sítio, com militares supervisionando o processo eleitoral. Não são características de um processo democrático.

Me resta desejar sorte aos amigos Ola e Sara!


Ah, dois recadinhos finais:

  • Recomendo sempre que assistam os vídeos das entrevistas, obviamente não consigo trazer 1 hora de entrevista para o texto da news.
  • Gostou da newsletter? Quer compartilhar o conteúdo? Entra aqui pra achar a edição que você gostou e encaminhar para as pessoas. É o melhor jeito de garantir que mais pessoas acessem, se inscrevam e conheçam o nosso trabalho.

#04 | O elogio de Trump

Olá, Lucas Lago aqui. O que acharam da edição sobre o segundo turno do Equador? Eu adorei entrevistar o Ola Bini e a Sara Zambrano para me preparar para a edição.

A perspectiva de quem tá vivendo o processo lá é muito diferente do que a gente pega no noticiário internacional.

Hoje voltamos a falar de tecnologia, mas com um toque de eleição americana, já que o presidente Donald Trump usou o Brasil de exemplo na sua proposta de alteração do sistema eleitoral de lá.


O decreto da Casa Branca

Dando uma lida no decreto do dia 25 de março intitulado “PRESERVING AND PROTECTING THE INTEGRITY OF AMERICAN ELECTIONS” encontramos vários países sendo citados na primeira seção para exemplificar pontos do processo eleitoral onde, para o governo de Donald Trump, os Estados Unidos falham. É ali que encontramos o suposto elogio ao Brasil (e à Índia, no mesmo ponto):

India and Brazil, for example, are tying voter identification to a biometric database, while the United States largely relies on self-attestation for citizenship.

Minha tradução abaixo:

Por exemplo, Índia e Brasil estão usando bancos de dados de identificação biométrica para realizar identificação de eleitores, enquanto os Estados Unidos ainda se baseia em autodeclaração para cidadania.
O meme “Brazil mentioned” é baseado na personagem Yui do anime K-ON!. Todas essas informações são irrelevante pro nosso contexto.

A mesma seção ainda cita Alemanha e Canadá como exemplo para contagem de votos e Dinamarca e Suécia para votos pelo correio. O projeto da Casa Branca busca mitigar eventuais falhas nesses três pontos.

E os três pontos são passíveis de melhorias - do ponto de vista técnico. Mas não sei se a constituição americana concorda com as alterações – alguém conhece um bom pesquisador da área?


Voto é direito ou voto é obrigação?

É impossível separar esse projeto de lei do contexto maior da presidência de Donald Trump, especialmente dos pontos indicados no Projeto 2025 (site oficial aqui, matéria explicativa da BBC aqui).

As alterações no processo eleitoral é um dos itens do projeto, e envolve entre outras coisas:

  • Acesso federal à listas de eleitores estaduais;
  • Encerramento do projeto do governo anterior de estímulo à participação eleitoral.

A organização das eleições nos EUA é responsabilidade dos estados, não existe um órgão em âmbito federal que dita as regras como o Tribunal Superior Eleitoral aqui no Brasil. Regras básicas como ‘qual documento é válido no dia da eleição’ são diferentes entre os estados.

Tradicionalmente, estados controlados pelo partido democrata possuem regras menos rígidas e estimulam ao máximo a participação. Enquanto os estados republicanos possuem regras rígidas e, às vezes, desestimulam a participação eleitoral de certos grupos (na eleição americana falaremos de gerrymandering).

A proposta atual do Trump é de basicamente aplicar as regras rígidas dos estados republicanos nacionalmente. Exigindo documentos específicos para votar – e eventualmente um cadastro biométrico.

Aqui é onde a diferença entre a forma que os EUA (especialmente em estados republicanos) e o Brasil e a Índia atuam é crucial.

No Brasil, votar é além de um direito, algo compulsório. Por conta disso, o TSE é obrigado a garantir que qualquer requisito imposto ao cidadão seja acessível para ele de forma gratuita e facilitada.

Todo documento que o TSE exige para o brasileiro votar, sempre esteve disponível gratuitamente para quem não consegue pagar.

E na Índia, apesar do voto não ser compulsório, existe um esforço do governo em garantir o acesso ao direito do voto. Por exemplo, existe uma regra que fala que "nenhum cidadão pode estar a mais de 2 quilômetros de uma zona eleitoral".

O projeto do Trump, nesse ponto, parece mais um esforço para afastar pessoas que terão dificuldades em conseguir se ajustar as novas regras de participarem do processo.


E a nossa urna? Foi elogiada?

Não foi elogiada, e ao ler com cuidado podemos ver que ela foi criticada. Em outro trecho ainda da seção 1 do documento lê-se:

Germany and Canada require use of paper ballots, counted in public by local officials, which substantially reduces the number of disputes as compared to the American patchwork of voting methods that can lead to basic chain-of-custody problems.

Na minha tradução livre:

Canadá e Alemanha exigem o uso de cédulas de papel que são contadas em público por oficiais locais, isso reduz o número de disputas judiciais se compararmos com a colcha de retalhos de métodos de votação americana que leva a problemas de cadeia de custódia.

Aqui o documento da Casa Branca ecoa os mais ferrenhos críticos da urna ao demandar que exista uma contagem pública de votos em cédulas de papel.

Nada de PRILILILIN na eleição americana.


Próximas eleições:

Aconteceu um bocado de coisa no mundo, então teremos eleições muito importantes em 4 países nos meses de Abril e Maio:

  • Portugal, porque o governo não sobreviveu a um voto de desconfiança agora em março. A eleição acontece dia 18.mai.
  • No dia 4.mai, a Austrália vai às urnas - lá não rolou nada especial, mas eles poderiam ter escolhido outras datas.
  • Na Romênia, o primeiro turno da eleição que ocorreu no final de 2024 foi cancelado e teremos uma segunda tentativa também no dia 4.mai.
  • E o Canadá também terá eleições em breve, dia 28.abr. O Justin Trudeau saiu da liderança do partido e seu substituto chamou as eleições.

Vou tentar encaixar todas em uma agenda para não deixar nada de fora. Então talvez não tenha alguma edição exclusiva sobre tecnologia em Maio.


Para aprofundar mais sobre eleições na Índia

Primeiro uma reportagem lindamente ilustrada da Reuters:

India's election 2024: A logistical triumph across a vast polling networkPoll workers reach India’s most remote corners to set up polling stations

E segundo uma reportagem do Daily Show:

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