Olá, Lucas Lago aqui. Nesse mês de setembro dois países em situações políticas, sociais e econômicas incrivelmente contrastantes irão eleger novos membros para o seus parlamentos.
No norte da Europa, a Noruega vai realizar uma eleição em um país onde o partido dos trabalhadores é a principal força do parlamento desde 1924, pouco mais de 100 anos. Na última vez que eles perderam a Primeira Guerra Mundial era chamada só de "Guerra Mundial".
Já no chamado "Oriente Médio", teremos a primeira eleição na Síria após a derrubada do governo Assad. O atual presidente, Ahmed al-Sharaa, decretou regras de transição para essa primeira eleição.
Noruega – A estabilidade ameaçada pela extrema-direita
Informações Gerais | |
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População | 5.6 milhões |
Eleitores | 4.0 milhões |
Sistema de votação | Voto proporcional com lista por partido |
Sistema de governo | Monarquia parlamentarista |
Próxima eleição | 8 de setembro |
Num roteiro que já está ficando repetitivo nessa newsletter (e em toda imprensa), a Noruega se aproxima das suas eleições de 8 de setembro vendo o espectro político à direita sendo devorado pelo extremismo.
O primeiro lugar deve ficar com o partido trabalhista principal nome do que eles chamam de "Red Bloc". Lá, e também na Suécia e na Dinamarca, a divisão Trabalhistas/Conservadores tão comum na Europa foi feita em blocos de partidos: o bloco vermelho se forma em volta de partidos de esquerda e o bloco azul com os partidos de direita.
Mas isso é a tradição norueguesa, o partido trabalhista mantém historicamente 30% dos assentos do parlamento. Às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos. Nem sempre consegue formar uma coalizão de governo com maioria, mas nos últimos 100 anos sempre foi a primeira força do Stortinget.
A novidade é o que ocorre no "Blue Bloc". O partido Conservador, que atualmente possui 36 cadeiras e é o maior partido do bloco, está perdendo votos a cada nova pesquisa. A projeção atual é que receba menos de 30 cadeiras. Quem vem crescendo é o "Partido Progressista", que tinha uma política liberal, mas está se tornando o expoente da direita anti-imigração europeia dentro da Noruega.
Uma coisa muito interessante da política escandinava é a existência de partidos que tem a ideologia "Agrarianista". São partidos que foram fundados por camponeses da região - antes de movimentos tradicionais de esquerda chegarem na região.
São partidos que defendem o pequeno empresário, são céticos em relação a União Europeia, mas defendem pautas sociais típicas de esquerda. Com o declínio da relevância das pautas "agrárias", a maior parte deles teve um rebranding para se chamarem partidos de "centro".
O processo de votação é bastante simples. O voto é distrital e no papel. Muito similar com o processo da Alemanha, com algumas variações que favorecem as áreas rurais na hora dos cálculos.
Na hora de votar, os procedimentos seguem uma burocracia bastante simples: você retira sua cédula de votação, marca suas escolhas, dobra seguindo os pontilhados, leva para um mesário carimbar e deposita em uma urna. Devem acontecer eleições assim desde quando a democracia foi estabelecida – e como são os resultados locais que importam, a contagem mais lenta não é algo que afeta os humores do país.
A Noruega é uma monarquia constitucional, porém, diferente de outras monarquias, o rei não tem o poder de dissolver o parlamento. A constituição proíbe eleições de meio de mandato, mesmo em caso de governos de minoria. Além disso, o parlamento norueguês, além do primeiro ministro, tem um presidente e cinco vice-presidentes. Haja latim pra escrever cartinha quando acontecer alguma crise.
Síria – novo governo, nova eleição
Informações Gerais | |
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População | 25.2 milhões |
Eleitores | 7000 pessoas selecionadas |
Sistema de votação | Eleições indiretas |
Sistema de governo | Governo de transição |
Próxima eleição | 15 a 20 de setembro |
Antes de falar da eleição em si, precisamos comentar brevemente sobre a guerra civil de 13 anos que devastou o país. A Síria era governada por Bashar al-Assad desde julho de 2000, filho do antigo ditador Hafez al-Assad.
A queda do regime dos Assads começa na Primavera Árabe, com protestos contra corrupção e autoritarismo que cresceram e viraram uma revolução. Os grupos internos de oposição se organizaram sob o nome 'Exército Livre Sírio', grupos como o Daesh (o nome certo do Estado Islâmico), o YPG (um grupo da minoria Curda, que se organiza na região autônoma que fica em Rojava no leste na Síria) também foram importantes no conflito.
Por hora, recomendo a leitura da "Declaração do Confederalismo Democrático no Curdistão"
No dia 2 de junho o presidente do governo de transição Ahmad Al-Sharaa criou o Alto Comitê para Eleição da Assembleia do Povo (ACEAP) para organizar o processo eleitoral, que vai substituir o parlamento provisório no poder atualmente.
O próximo parlamento contará com 210 membros, dos quais 70 serão apontados pelo presidente Al-Sharaa. Os outros serão eleitos em um processo indireto, com votos de "grupos locais selecionados", grupo que contém somente 7 mil pessoas.
Além disso, o processo eleitoral enfrentará dificuldades tremendas no norte e no sudeste do país, áreas que são controladas por minorias (como os curdos em Rojava). A violência nessas áreas já causa atrasos no processo.
Apesar do processo estar claramente enviesado pelo governo atual, existe aquela esperança de que a eleição seja uma oportunidade para fazer com que o país se torne mais democrático.
Curtas
- Bolívia | Dois candidatos de direita disputarão o segundo turno: Senador Rodrigo Paz e o ex-presidente Jorge Quiroga. O MAS (Movimiento ao Socialismo) perdeu 73 cadeiras no legislativo e agora tem apenas 2. Álvaro García Linera, que foi vice do Evo Morales, falou sobre as derrotas da esquerda.
- Rússia | Teremos eleições em 14 de setembro para vários estados (Oblasts) do país. Vale acompanhar para ver se algum candidato de oposição consegue visibilidade em eleições municipais, alguns opositores importantes de autocracias começam na esfera municipal.
- Argentina | Logo mais em outubro a Argentina vai trocar metade do parlamento. O partido do presidente "La Libertad Avanza" estava caminhando para vencer a maior parte das cadeiras, mas o caldo pode ter engrossado por conta de uma infinidade de denúncias.
- Brasil | Carmem Lúcia afirmou durante o julgamento do "Núcleo 1" da tentativa de golpe que "o processo eleitoral é amplamente auditável". Percebam que ela não disse que o voto é auditável, mas sim o processo eleitoral, e uma coisa pode ser verdade sem que a outra necessariamente seja.
Infelizmente não consegui uma conversa com um especialista/nativo pra essa edição. Nem Sírios nem Noruegueses estavam muito abertos ou interessados a dar entrevistas.
Estou estudando essa sessão nova com notas curtas, ia chamar de "Boca de urna" - mas ainda não sei se gosto desse nome. Sugiram nomes no contato da newsletter.
Ah! Se você conhece um especialista em algum assunto que seria uma ótima pauta pra cá? Responda a essa edição com o contato! Tenho poucas referências fora do mundinho urnas eletrônicas.